Epílogo

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A bíblia pesa na minha mão. Estou lendo esse bloco gigante e pesado desde que Boss evaporou igual fumaça. Fazem 585 dias. Eu já tentei de tudo. Já rezei, orei todas as preces que encontrei na internet. A senhora Cha havia me dado um terço, e havia ficado animada quando percebeu o quanto eu estava interessado em religião. 

— Vai te fazer muito bem, Noeul. Você vai ver. Vai começar a pensar em garotas.

 A senhora Cha se revelou uma velha além de fofoqueira, homofóbica. Parecia que estava funcionando mesmo! Deus já estava abrindo meus olhos. 

 Eu havia encontrado um emprego de meio período em uma escola infantil e à noite eu estava servindo café em um cyber café que ficava perto de casa. Eu já havia perdido as contas de quantas vezes eu havia visto Boss no meio da multidão. Eu corria desenfreado atrás da pessoa apenas para sentir decepção quando não era ele. Tinham sido poucos os dias em que ele havia passado comigo, e foi o suficiente para que um sentimento novo e desconhecido tomasse conta de mim. Não era nada comparado com o sentimento que senti por Benji. 

Benji.

Eu o odiei por muito tempo. O odiei por ele ter me deixado no altar, por ter me magoado, por ter me deixado em um apartamento cheio de lembranças, por ter feito eu querer morrer mas eu odiei Benji muito mais naquele dia em que ele bateu em minha porta e fez com que Boss quisesse desaparecer. É verdade que eu não pensava em morrer há algum tempo, mas não tinha nada a ver com Benji. Talvez Boss tivesse visto aquilo como um sinal de Deus mas não foi. Eu não amava Benji há muito tempo. Eu abri a porta para ele naquele dia e contei tudo que vinha acontecendo (sem a parte de Boss ser um anjo) e ele pacientemente me ouviu, me aconselhando sobre o que eu deveria fazer (se caso Boss fosse um humano, o que ele não era e eu não fazia ideia de onde encontrá-lo.)

 Benji havia se desculpado comigo. Estava tudo bem mas, porque eu ainda estava de coração partido?

•••


Escuto um trovão alto o suficiente que me faz acordar. Olho no celular 3:33. De acordo com a internet, era a hora dos anjos estarem disponíveis para nos ouvir. Era a única coisa que eu ainda não havia tentado. Não acreditei muito naquilo, e sempre estava tão exausto que eu dormia no meio do pai nosso. 

 Me arrasto pra fora da cama e me coloco se joelho, tentando manter os olhos abertos. Sinto uma dor forte no peito, como se fosse sufocar. Fecho os olhos e tudo que consigo ver é Boss, quase como se eu pudesse tocá-lo.

Não consigo formular nenhuma prece mas durante os dez minutos que consigo me manter acordado, tudo o que eu consigo fazer é murmurar o nome de Boss.

•••

Uma garotinha minúscula vira todo o suco dela na minha roupa. Eu respiro fundo e dou um sorriso, mas ela começa a chorar quando EU quem deveria estar chorando. 
 Quando todos os pequenos estão dormindo, é o momento em que posso ir embora. Kyana assume meu lugar e eu vou pra casa, ainda grudando por causa do suco na roupa. Passo pelo parque municipal e observo as pessoas correndo aproveitando o sol. 
 Sigo pela estrada rodeada das árvores do parque e meu coração pula no peito quando no final da estrada eu o vejo. As vozes ao redor sendo silenciadas. Uma bicicleta passa voando por mim, me levando junto e eu sou jogado no chão, já começando a sentir a palma da minha mão arder. Eu fico ali sentado, e ergo a cabeça procurando por Boss mas não o vejo em lugar nenhum. Será que foi minha mente projetando coisas de novo?
Uma mão se estica em minha direção oferecendo ajuda para eu me levantar. Ergo meus olhos e a luz do sol me cega por um momento, fazendo com que o rosto da pessoa fique quase invisível. Aceito a ajuda, segurando a mão do estranho e sendo envolvido por aquela sensação de novo. O toque quente, as ondas elétricas. E então, eu o vejo.
É ele.
Meu anjo da guarda. 

Um anjo de natal • BossNoeul Onde histórias criam vida. Descubra agora