Capítulo Cinco

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Dos oito até os vinte nove anos de sua vida, Madalena passou seus dias sendo idolatrada no mais religioso sentido da palavra: louvada, presenteada com desde as mais raras oferendas da rainha e dos nobres até os mais simples gestos, os quais eram os únicos que as partes mais necessitadas da população tinham a capacidade e desespero de lhe mostrar.

Nunca foi sobre Madalena, não realmente. Não sobre o que ela, o Oráculo que tudo tinha a seu despor, queria e sim o que eles podiam dar, o que sentiam que deviam para si garantir uma boa fortuna.

Ela nunca iria se esquecer da seda nos antigos vestidos, não importa o qual cruel a memória fosse depois de tudo. Os bordados delicados, horas e mais horas do trabalho duro de criadas invisíveis, todo o sangue e suor, simplesmente para que tivesse imagens de lobos trançadas em prata nas bordas de cada uma das roupas que um dia tinha usado. Algo novo chegava do castelo praticamente todos os dias. Ela praticamente não tinha o porquê repetir um vestido depois de usá-lo uma única vez.

Então, Madalena havia sido adornada por seda paga por outros, apesar de ter toda a riqueza dos templos a própria disposição. Ela havia sido dada ouro, o peso de colares e anéis e louros, e todas as pedras mais preciosas que aquela nação tinha para dar.

Havia tido o equivalente a banquetes colocados aos seus pés como oferendas colocadas em frente a imagem de Pater; taças fartas com o vinho suave trago de longe no Sul, pratos transbordando com carnes suculentas e gordas dos mais raros monstros, o doce de suas frutas favoritas explodindo na boca em meio a missas. Até músicas e obras lhe tinham sido presenteadas, comissionadas para ela por patronos das artes.

Havia recebido trapos de pedintes também, os aceitando como se fossem os mais preciosos robes em seu armário. Galinhas e vacas e bodes vivos de famílias desafortunadas das partes mais rurais que iam andando até a capital apenas para vislumbrá-la durante meses de festival, mesmo que apenas de longe. Havia sido entregue rabiscos de crianças que agradeceu com mais honestidade do que qualquer grande obra, e sinceras ofertas de lavá-la os pés daqueles que não tinham mais nada para oferecer, ofertas que negou com tanta gentileza quanto lhe era capaz, segurando mãos trêmulas e sujas e as levando até os lábios.

Por todos os sorrisos serenos, agradecimentos suaves perante as lágrimas encantadas dos devotos, Madalena nunca tinha sentido nada além de uma distante sensação de que deveria se sentir grata e a pontada de frieza em reconhecer que não sentia.

Ela achou que era uma chacota, quando saiu de casa aquela manhã e se deparou com um dos melhores cortes de carne que poderia ser tirado de uma hidra, limpo de qualquer veneno e sangue, embalado com cuidado na soleira de sua porta. Não havia nenhuma dúvida de quem poderia ser a culpada, mas muita confusão em questão do porquê isso divertiria Atalanta.

Madalena aproveitou o que lhe foi dado, porque ela sabia que se Atalanta a deu um pedaço de carne, era com a mesma promessa silenciosa de benevolência que teria feito ao dá-lo para os templos. Mesmo sem confiar, saberia que isso a caçadora levaria a sério.

Nunca desperdiçaria nem mesmo um grão de arroz apodrecido depois da guerra e, delicadamente, ela se viu pedindo receitas para os vizinhos, tentando melhorar os talentos culinários que tanto lhe eram escassos. Um pouco de sal de menos, um pouco de pimenta demais, suficiente para matar um caçador, um pouco de esquecer sua tentativa de fazer um ensopado no fogão por muito mais horas do que deveria enquanto olhando o fogo – no fim, estava comível, e assim ela comeu tudo com gosto, recolhendo pedaços suculentos de legumes e carne com a colher de madeira e lambendo a tigela com a elegância urgente de alguém que conhecia fome muito intimamente.

Atalanta apareceu em sua porta duas quinzenas depois. Madalena cuidou da dor causada pelo literal buraco em sua coxa tanto quanto possível enquanto a magia da terra ainda não a curava. Acordou sozinha, a única companhia na casa apenas um pedaço de carne embrulhado na mesa da cozinha.

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