Capítulo Quatro

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Madalena era uma beleza exemplar: o rosto, linhas afiadas e bem definidas, a simetria cortante de uma obra-prima imaculada de Pater, a dignidade clássica da posição que foi criada para tomar se juntando com a delicadeza nobre que fazia camponeses confiarem em dita posição. Os cachos grossos e macios, vermelho vinho e sangue derramando por suas costas; olhos como amêndoas, elevados nos cantos, castanho escuro profundo e quente; a pele escura e suave de alguém que nunca trabalhou embaixo do sol; e os lábios cheios que se levantavam no mais leve dos sorrisos sempre que necessário, pacífica e calmante com cada expressão.

Não era uma questão de opinião ou gosto pessoal. Não era uma beleza convencional: era a convenção, o Oráculo, a junção de cada expectativa daquela nação; etérea imagem passiva na qual eles podiam refletir seus desejos.

O sonho intocado e intocável, um rosto que tinha estado por trás da criação de novos movimentos artísticos pelo simples fato de que ela era a musa de centenas de artistas por toda capital e além, e no meio desses, alguns revolucionaram seus ramos simplesmente pensando em novos jeitos de a pintar e descrever em poemas.

Havia um quadro. O único quadro que ela tinha guardado de todos que para ela foram feitos: o primeiro, pintado no mesmo dia em que ela foi anunciada como o novo Oráculo para a população. Madalena era uma criança ainda, os cabelos puxados para trás e para cima e para os lados em um penteado muito complicado que ainda demoraria quinzenas para ela se acostumar a usar sem dores de cabeça, louros de ouro repousando na cabeça enquanto observava o pintor, mãos entrelaçadas atrás das costas e costas eretas.

O mentor dela, o homem que a criou e tornou tudo que ela era, estava parado atrás de Madalena. Igualmente rígido e igualmente severo, os olhos um azul límpido encarando para frente com gelo.

Não havia nenhuma alusão a um sorriso, nenhum calor ou carinho, mas Madalena tinha mantido a pintura no centro de seus antigos cômodos nos templos. Tinha passado horas a encarando, procurando na dureza daquele rosto austero por respostas para perguntas as quais nem tinha sido capaz de formular; a gravidade naquelas sobrancelhas grossas e apertar nos cantos dos lábios finos e pálidos a chamando como os braços abertos de seu deus.

O que era o mentor dela se não Pater na terra, e o que era Pater se não o mentor dela no divino? Em toda memória que recordava dos templos, a imagem dos dois se fundia em uma só. Não havia como os separar.

Ela tinha o amado tanto quanto um homem como ele se permitia ser amado. Nunca tinha conseguido parar de pensar que, para alguém que si importava tanto com formalidade e que passou cada segundo da infância dela frisando aquela importância na mente de Madalena, aquele amor seria visto como algo ainda mais impróprio do que o ódio perfeitamente igualável em intensidade que Atalanta sentia por ele.

Ele era capaz de paixão.

Todos que já o olharam nos olhos enquanto ele pregava sobre Pater podiam ver isso: aquele fervor maníaco, o amor possessivo que sugava todo o ar do ambiente e dos pulmões dos que tinham a sorte de o presenciar. Se os templos ainda cometessem sacrifícios, ele seria o primeiro a submergir as mãos em sangue fresco. Se dado a opção, ele seria o primeiro a comer a carne mortal na esperança de sentir o gosto do sagrado. Se tivesse a chance, ele abriria espaço no peito de Pater, se encolheria para viver em meio a víscera e o pulsar divino entre as costelas Dele.

Capaz de paixão, mas incapaz de a sentir por qualquer um a não ser a força mais perfeita possível, o Deus dele.

Ela não conseguia parar de tentar se convencer que era a única exceção – o amor humano e errôneo que ele não tinha conseguido evitar sentir, a órfã entre todas as crianças dos templos que ele não pôde deixar de ver como filha. Madalena se prendia a cada pequeno momento que pudesse provar essa ilógica sensação.

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