Capítulo Três

28 8 0
                                    

Nos templos, os órfãos eram ensinados a ler e escrever para que pudessem ler as orações e escrituras dos seus antepassados, e escrever novos testemunhos e achados sobre Pater. Eles eram ensinados graciosidade, silêncio; a fluidez, que fazia de cada um de seus movimentos uma harmoniosa dança, uma mecânica doutrina para que pudessem servir Pater e os nobres da melhor forma possível, para que pudessem ajoelhar perante seu deus e encher xícaras de chá para a rainha em suas visitas e encher os corações dos plebeus devotos com tranquilidade divina, tudo com a mesma cortês graça que lhes era instilada nos ossos.

Atalanta não era uma das órfãs dos templos.

Quando se conheceram, ela era nada mais do que uma trombadinha suja, tão pequena e estúpida que pelo menos a cada quinze dias era pega pelos patrulheiros da rainha com as mãos nojentas tentando se enfiar nos bolsos de algum cidadão do bem. Criança como era não podia ser presa, então eles só a davam uma surra e mandavam para os templos para ser castigada e reformada.

Como se eles tivessem aquele poder. Não, nem o próprio Pater descendo na terra para a punir seria o suficiente para domar Atalanta Coração de Aço. Madalena achava que nem ele ousaria tentar.

Os sacerdotes ousavam, mas a menina sempre fugia. Ela voltava para as ruas, para os roubos, até ser pega de novo, mandada para eles de novo, e assim o ciclo se repetia.

O ciclo deveria ter parado quando ela fez doze anos e se alistou para virar uma caçadora, mas se alistar não tinha mudado o fato de que Atalanta era baixa e desnutrida, que ela não conseguia seguir ordens nem se a vida dependesse disso, que não tinha a mínima educação e comprava muito mais brigas com seus superiores do que os obedecia calada como era o correto e o inteligente.

Os instrutores do exército também a batiam e mandavam para os templos, onde ela era obrigada a ficar ajoelhada pedindo perdão até os joelhos estarem em carne viva, atingida nas mãos até as palmas estarem abertas. Obrigada a si confessar, a ouvir os sermões sobre obediência do sacerdote-chefe, a limpar os templos e ajudar com as tarefas braçais desde o momento em que os instrutores a deixavam lá depois dos treinos dos recrutas até eles chegarem para a buscar durante o nascer do sol, palmas e pernas ainda não tratadas. Madalena nunca sabia quantos dias eles originalmente queriam que ela passasse sendo castigada, porque ela sempre fazia outra coisa errada antes deles acabarem e tinha sua punição estendida.

Nem o general escolhendo uma Atalanta de dezesseis anos como pupila serviu para a manter longe.

Qualquer que fossem os métodos dele para lidar com a rebeldia dela, eles funcionavam. Ela parou de ser mandada até o templo para ser castigada, mas o general e o sacerdote-chefe se odiavam quase tanto quanto Atalanta e Madalena e, graças aos seus deveres com a coroa, eram amargamente obrigados a lidarem um com o outro e terem de fazer constantes reuniões e encontros. Atalanta e Madalena tinham o dever de os seguir e aprender com eles.

Madalena sempre esteve imóvel. Os anos tinham se passado, mas ela continuou exatamente onde estava desde o momento em que foi acolhida e escolhida por Pater, convicta de sua fé, sua posição, seu destino definido.

Atalanta nunca deixou de si mover. Apesar de todas as mudanças na vida dela, todas as vezes que fugiu e foi para longe, as decisões ilógicas que tomou, a menina continuava sempre sendo empurrada de volta para Madalena – voltava selvagem e indomada, grosseira e incivilizada, ainda Atalanta apesar de todas as tentativas de a transformar em alguém diferente, com um novo nome e uma atitude subjugada.

Madalena se sentia doente, ajoelhada no chão esfregando a madeira enquanto os músculos tremiam e gritavam. Se sentia como se não pudesse parar de esfregar, porque se parasse, teria que pensar.

Morte Da Profeta ✔️Onde histórias criam vida. Descubra agora