Capítulo Dois

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Um dia Madalena tinha sido a grande joia daquela pátria. A mais bonita filha daquelas terras, a mais fiel sacerdotisa de seu deus, a mais poderosa profeta em toda história deles. Sacerdotes de longe iam até a capital para a visitar, nobres se ajoelhavam em frente dela para rezar e lavavam seus pés em um suplicar por sorte e boa fortuna, poetas escreviam poemas e canções sobre ela e artistas a desenhavam e pintavam. Até a rainha pedia por conselhos e profecias.

Oráculo de Helades, eles costumavam chamá-la.

Nada mais do que mais uma aleijada arruinada quando a guerra acabou.

Nos templos, as crianças ajudavam com as tarefas domésticas como uma forma de os ensinar sobre humildade, mas Madalena era o Oráculo desde os oito anos. Antes disso ela tinha estado com os grupos lavando as cozinhas, preparando os jantares, limpando os chãos, mas depois, todas as tarefas dela focavam nas relações que deveria criar com o povo.

Ela falava durante as missas, servia refeições para os famintos que se encontravam nos templos todas as noites, se sentava com eles para os abençoar e conversar sobre Pater. Não tinha, desde que começou a Ver, tocado em um único pano ou cozinhado uma única batata, apesar de ter recebido muitos elogios e agradecimentos do público.

Tanto nos templos quanto em Tenas, nunca foi uma questão de escolha; nos templos porque ela era preciosa e ocupada demais para as tarefas mais mundanas, em Tenas porque não tinha ninguém que fosse fazer tais tarefas por ela.

Madalena gostava de limpeza. Tinha a mais vaga das lembranças de gostar quando ainda criança, porque apesar de crianças pequenas raramente gostarem de cumprir tarefas a eles delegadas por adultos severos, Madalena sempre tirou prazer de completar ordens e ajudar adultos. Era obediente. Quieta. Boa.

Hoje em dia, era com o mesmo prazer e carinho que cuidava do lugarzinho que estava alugando. Gostava daqueles quartos apesar do quão humilde eles eram em comparação à onde ela tinha crescido, e passava muitas horas na escola, tanto arrumando as bagunças das crianças quanto arrumando novas ideias que tinha para os engajar em suas lições.

Em contraste, Madalena não era boa cozinheira. Comparando com as comidas ricas e agradáveis dos templos, e até mesmo as refeições baratas e gostosas que comprava em Tenas, tudo que ela fazia ou acabava sem gosto algum ou tão salgado que nem dava para comer.

O fogo também apresentava problemas. Mais de uma só vez ela tinha se encontrado distraída pelas chamas, se perdendo as encarando, atormentada pelo passado de pessoas que nunca nem tinha conhecido, não tinha nem mesmo cruzado o caminho; e quando finalmente acordava, qualquer que fosse a refeição que tinha começado a fazer e não se lembrava mais já tinha queimado ao ponto que não podia ser salvo.

Entre a padaria sempre aberta logo na sua frente e as noites de cantoria, calor e conversas na taverna, ela acabava evitando sua própria cozinha e comendo pela cidade mais do que deveria. Pelo menos ela achava que não deveria tanto – mas Madalena não tinha planos de ter uma família, não queria um lugar maior ou mais elegante e sabia que, sendo uma das únicas adultas estudadas em Tenas, não iria perder sua posição, e, portanto, tinha decidido que economizar demais não era tão necessário assim.

Apesar de um dia ter sonhado em ter um pupilo assim como o homem que a criou... apesar de ter tantos apertos no peito quando olhava para os órfãos em sua sala... apesar, apesar, apesar...

Ela sempre soube que filhos não seriam uma opção e agora sabia que uma família, até mesmo uma família distante e ambígua como aquela com a qual foi criada, não seria possível para uma mulher como ela, tão arruinada e amaldiçoada. Não havia porque se preparar para nada mais quando o que recebia já era mais do que o suficiente para dar comida e moradia para uma só pessoa.

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