Com o passar dos dias, os encontros entre Antônia e Max nos corredores ficaram cada vez mais difíceis de acontecer. Vez ou outra eles se tombavam, trocavam olhares e partiam, cada um para o seu espaço naquela faculdade.
Mas de uma coisa Antônia tinha certeza, as coisas não estavam bem para Max. O olhar triste, a postura cansada e os passos apressados, não combinavam nada com o homem charmoso e atencioso que ela conhecera a algumas semanas atrás.
— Tô, você tá bem? - Na sala de aula, no meio de uma explicação sobre estrutura e a função dos tecidos, uma figura alta e de cabelos loiros sussurrava perto de Antônia. - Planeta Terra chamando Tô, tem alguém aí??.
Priscila ocupava a carteira de trás, e com o tempo as duas se tornam grandes amigas e companheiras das noites de Internato Médico no hospital universitário.
— Sim, sim, tô aqui e pronta pra reprovar nessa matéria. - Antônia estava de volta, depois de passar quase toda a aula perdida entre as lembranças de Max, as cantadas disfarçadas, os olhos castanhos claros e a briga que deixara as coisas estranhas entre os dois.
— Nossa que desânimo hein, você parece um pouco perdida hoje amiga, o que acha da gente comprar um café e você me contar o que tá rolando nessa sua cabecinha hein?
— Você sempre sabe exatamente do que eu preciso não é Pri.
As duas se olharam e saíram da sala.
Duas garotas pelo corredor, apenas mais duas estudantes de família abastada e que sempre tiveram a certeza que iriam estudar medicina.
Antônia tentava enxergar além das coisas supérfluas da vida, e ultimamente estava enxergando coisas até demais.
— Então, pode começar me contando tudinho. - A amiga olhava para ela com expressões de curiosidade.
— Você conhece a história de Sísifo? Aquele da Mitologia Grega?
O homem que se achava inteligente demais para enganar até mesmo os deuses, e por isso foi castigado pela eternidade a rolar uma pedra gigantesca montanha acima e assim que terminasse, a Rocha deslizaria de volta para o início.
Acho que já ouvi essa história em algum lugar. - Disse Priscila confusa e preocupada. - Mas onde você está querendo chegar Mulher? Você está esquisita desde o Halloween, mal responde as mensagens e nem parece a Antônia obcecada por estudos de antes. Até seu jaleco favorito está diferente, ou você acha que não percebi a troca?
— Eu sei, eu sei - Um olhar cansado, um gole no café. - Às vezes me sinto assim sabe, parece que nada é suficiente, parece que as minhas relações nunca dão certo, e eu estou cansada de tentar, tentar e depois deslizar montanha abaixo.
E Antônia estava certa, desde sempre ela tinha dificuldades para criar laços com as pessoas a sua volta. E talvez, seus pais distantes tenham certa culpa nisso. Não que eles não a amavam, mas quando se recebe mais presentes que atenção, as coisas ficam um pouco confusas na mente de uma criança, e quando metade dos seus relacionamentos possuem um começo e pulam diretamente para o precipício do fim, as coisas ficam bagunçadas na cabeça de uma mulher.
— Já sei, é aquele sentimento de todo ano, não é? - Priscilla a conhecia há tantos anos que já estava acostumada a ver a amiga triste, sempre que o Natal se aproximava.
Era Novembro e todos os lugares começavam a implementar as decorações de Natal, e a divulgar promoções por todo lugar.
E para Antônia isso era um pesadelo, a lembrança de Natais passados em seu quarto, assistindo filmes de Romance e se entupindo de sorvete.
A época mais solitária do ano para ela, agora tinha um sentimento a mais.
Enquanto Antonia bebia o segundo café do dia, Max cruzou a porta da cafeteria. O sino acima da porta balançou e o homem entrou com o cabelo um pouco bagunçado, a barba por fazer e sua blusa de Girassóis manchada de tinta.
Graças a sua memória fotográfica, Antônia se lembrou da camiseta. Um dia no parque, no começo da primavera, um homem bonito pintando.
Era Max naquela memória ensolarada, ela já havia visto ele antes do desastre com as tintas.
— Tô, você está sorrindo pela primeira vez no dia, isso só pode ser um milagre de Natal. - Priscilla dava pulinhos de alegria, embalada pela cafeína na corrente sanguínea.
— Acho que eu tô ficando louca, os sentimentos não param de mudar na minha mente desde o Halloween, desde aquela briga horrorosa que acabou com a nossa noite.
— Nem me fala garota, aquela fantasia de pipoca até murchou depois daquele climão, e você mal me explicou o que aconteceu.
Max se sentou, pediu um suco e digitou algo no celular. Ele reparou em Antônia sentada na mesa perto da janela, mas não ousou direcionar o olhar para ela.
Ele estava com vergonha pela situação, arrependido pelo jeito que a tratou e triste por ter acabado com a noite de diversão da mulher fantasiada de milho.
E entre um gole e outro do suco de Maracujá, uma música natalina e familiar começou a tocar.
"It's beginning to look alot like christmas, everywhere you go"
Ele olhou em volta, passou a mão pelos cabelos e percebeu que realmente tudo estava começando a lembrar o Natal.
O que deu a ele uma rajada de esperança, e coragem para enfrentar seus medos.
Se levantou e foi em direção a Antônia, mas ela já não estava mais lá.
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A Marca do Natal
Romance"A Marca do Natal" é uma envolvente história que segue a vida de Max, um professor de artes, e Antônia, uma estudante de medicina, ao longo de vários Natais. O livro explora a magia da temporada festiva, revelando as nuances de suas vidas, desde os...