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     Nikolai Gogol é alguém que gosta de brincar com tudo que é perigoso. Prazer, este sou eu. É divertido quando há fogo para me queimar, e mais ainda quando posso jogar gasolina em tudo ao meu redor. Não me leve a mal, aproximar-me do perigo é um método de provar a mim mesmo que sou livre para fazer o que quiser, inclusive cometer riscos.

     Esse é o motivo pelo qual, mesmo após o aviso de Dos-kun para nunca mais voltar à igreja, voltei. Claro, aquele domingo fez meu ser resumir-se a uma casca confusa e irritada, então não fiz nada que implicasse sair de casa até que o próximo domingo — ou seja, hoje, — chegasse. Foi uma semana tumultuada em minha mente, e beirei a loucura extrema de tanto pensar e repensar.

     Parecia que estava passando pelo luto, porque vivenciei cada um de seus estágios estúpidos. É engraçado, ao analisar melhor agora, mas não posso evitar lembrar do amargor em minha boca que não me deixou por nem um milésimo de segundo sequer. Até em meus sonhos fui atormentado, preso a um mero acontecimento.

     O primeiro estágio foi o de negação. Repeti milhares de vezes para mim mesmo que o ocorrido foi uma ilusão, que não beijei Sigma, que Dos-kun não me odeia, que posso voltar lá a qualquer instante e ele terá os braços abertos, fazendo-me deitar em seu peito e sentir seus dedos entre meus fios.

     Então, veio a raiva. Não de minhas ações, não das atitudes que tomei, mas de Fedya e Sigma. Da relação deles, essa estupidez. Ira profunda, fúria já enraizada demais para se esvair. Como ele pôde ficar do lado de seu seminarista tal qual eu não representasse nada?! Depois de tudo, não havia nenhum pingo de consideração em sua alma?

     Barganha. Rebaixei-me até o ponto de barganhar com Deus, aquele ao qual me dediquei por muitos domingos e já não mais significava algo para meu ser. "Se tudo estiver bem quando eu voltar, prometo me tornar um verdadeiro seguidor da Palavra", repeti por vezes. Idiotice, sendo sincero, porque Deus nunca me ouviria. E a certeza de que as coisas não melhorariam fácil chegou aos poucos.

     O quarto estágio é o da depressão, o qual não vivi tanto assim. Duvido, na verdade, que tenha chegado a sentir tristeza. Só houve um incômodo em minha garganta e um aperto leve no peito, porém não chamaria isso de "depressão".

     Por último, aceitação. Aceitei que as coisas estão fodidas por culpa de Dos-kun e seu apego a Sigma, o "anjo preferido". Aceitei, também, que talvez nunca mais possa tocá-lo, apenas talvez. O que mais aceitei, no entanto, é o fato de estar disposto a fazer qualquer coisa para acabar com meu seminarista favorito e pegar de volta o que me pertence. Ah...

     Penso nisso enquanto caminho até a igreja. Fiz alguns planos, talvez até ruins o suficiente para serem considerados cruéis. Primeiro, encontrarei Fedya, e usarei de força para trazê-lo comigo. Ou, quem sabe, não dê um jeitinho em Shiggy antes de qualquer coisa. São tantas ideias, queria poder colocar todas elas em prática ao invés de decidir uma só.

     Por pura vontade de ser um pirralho, cheguei à igreja ao fim da missa, e foi surpreendente quando mal havia entrado e já senti um puxão em minha roupa para longe de um grupo de fiéis conversando. Em minha frente, do modo mais inesperado possível, estava ele, a única pessoa que não esperava conversar com tamanha rapidez neste caos que tem sido desde domingo passado.

     "Shiggy." Cumprimentei sem o sorriso habitual dançando em meus lábios e a voz menos animada que o usual, encarando o seminarista de cabelos bicolores. Sigma parece bem, a não ser por um pequeno detalhe: seu rosto, enfeitado por uma feição inusitada, transmite algo como ansiedade e antecipação. "Qual o problema?" Não evitei perguntar, quase me preocupando de fato.

Amen - FyolaiOnde histórias criam vida. Descubra agora