Capítulo 3

2 0 0
                                    

O ar quente batia na pele da jovem com a bolsa um pouco mais pesada devido aos maços de dinheiro que havia conseguido no jogo. Seus passos eram silenciosos em meio a multidão de vozes, berros e gargalhadas que enchiam as pequenas vielas que constituíam a Fossa, o bairro mais imundo da Asa 5. O chão metálico e cinza produzia rangidos baixos em alguns pontos por causa dos passos despreocupados da menina, as paredes eram recobertas por tubos de cobre grossos e chapas de aço com longas e extensas lâmpadas verticais coladas na superfície de metal que, juntamente com as demais lâmpadas do teto, geravam a pobre iluminação do lugar. O teto de metal estava tão acima do chão que os olhos da garota mal conseguiam enxergar as tubulações que se emaranhavam sob sua cabeça.

Em meio a aglomeração de pessoas, a garota era somente uma personagem discreta e praticamente invisível, até mesmo para os olhos curiosos. Suas roupas escuras se misturavam com as sombras das pilastras que se estendiam do chão ao teto para sustentar a estrutura, sua cabeça abaixada e a deixavam tão insignificante quanto uma mosca perto da algazarra de conversas e diversão que se passavam na frente dos bares, casas de azar e prostíbulos.

Por mais que tentasse disfarçar, a jovem mantinha as mãos agarradas na alça da mochila pendurada em seu ombro esquerdo enquanto atravessava e desviava dos corpos que insistiam em ficar em seu caminho. Não demorou para que a placa "Casa de Mistérios Fim da Linha" fosse lida pelos seus olhos habilidosos. O suor corria na sua nuca e sua mão apertou a alça com mais força. "Uma à direita, seguir reto, uma à esquerda", ela repetiu consigo mentalmente.

A casa de feitiçaria tinha um aspecto enigmático e místico que preenchia a aura do ambiente ao redor e contrastava com o clima boêmio que a noite transpassava para o local. Apesar de ter a aparência grotesca e confusa, igual a todos os demais imóveis que compunham as Fossas, a madeira escura e os símbolos pintados de tinta branca nas paredes e portas contribuíam para a construção de uma energia sinistra e assustadora. A jovem passou pela pequena construção atenta aos detalhes inscritos nas paredes e portas, a única janela era coberta por um pano roxo de veludo que servia como cortina. Bruscamente, o pano se movimentou e o rosto de uma senhora com os cabelos presos em um coque um pouco despenteado, o nariz encurvado, os olhos pequenos e a boca rachada surge na janela.

-Quer ler sua sorte, menina? Algo me diz que o amor baterá na sua porta hoje. - A velha disse com um sorriso banguela.

A garota desviou o olhar, apertou seus passos e segurou mais forte na mochila enquanto andava em direção ao seu destino. Embora odiasse admitir, ficar próxima daquela casa não lhe passava sentimentos positivos a não ser arrepios pelo corpo inteiro.

Cada vez que a jovem adentrava mais nas vielas, as luzes amareladas ficavam mais fracas. "Com certeza o governo irá disponibilizar recursos para consertar a iluminação do subúrbio", refletiu.

O cheiro de podridão e dejetos crescia com o decorrer que ela descia a estreita rua. "Os donos dos estabelecimentos podiam ao menos pedir que seus clientes urinassem no banheiro", ela pensou enquanto via à distância um homem bêbado urinando na parede dos fundos de um bar. A luz fraca que emanava das lâmpadas estava cada vez abrindo mais margem para a escuridão. Sem opção, a jovem começou a correr pela rua. Por mais que o impacto entre suas botas e o solo fosse intenso, ela tentava ao máximo o realizar sem chamar a atenção, algo que fazia com sucesso. Sua respiração começava a ficar intensa e os cabelos suados perto do pescoço. Por mais que estivesse tensa pensando na quantia de dinheiro que tinha em mãos, ela sentia sua cabeça mais leve com o decorrer que o calor foi subindo por suas pernas.

Então, cerca de 1 metro de distância, ela viu um folheto colado na pilastra que ficava no meio do caminho entre os estabelecimentos. A marca de uma mão feita com carvão marcada a folha de papel. Sem parar para analisar ou pensar, a garota virou à esquerda da quadra.

ResistentesOnde histórias criam vida. Descubra agora