Capítulo 1: 20 anos depois

5 0 1
                                    


O bar estava lotado de bêbados, prostitutas e trapaceiros. A música era alegre e alta, os músicos tocavam entre os goles de cerveja barata e as risadas da clientela. Canecas e canecas de cerveja brindavam em meio a gritos de festejo, as mesas redondas de madeira estavam grudentas devido a bebida que os clientes derrubavam ao sacodir os copos. O ambiente era relativamente escuro, salvo por algumas velas e tochas que ficavam penduradas nas paredes e pelas lâmpadas que por fios finos pendiam do teto. O chão escuro e fedido era sinal claro dos poucos níveis de higiene do local. As mulheres, vestidas com saias e corpetes que acentuavam os seios, sentavam-se nos colos dos fregueses e ofereciam bebidas, algumas, sussurravam serviços nos ouvidos daqueles que ostentavam correntes de ouro.

Em meio a algazarra de corpos suados e lambuzados por álcool, uma garota adentrou o estabelecimento com o olhar sério e uma bolsa apoiada no ombro esquerdo. Os cabelos castanhos estavam soltos e balançavam na altura da cintura conforme ela percorria o bar, desviando de beberrões e garçonetes. Os olhos se concentravam na saída aos fundos do lugar, em que um pano aveludado vermelho caía como cortina. Diferentemente das demais mulheres, estava vestida com roupas discretas e simples: calça jeans preta e rasgada nos joelhos marcava suas ancas e a regata marrom que realçava a sua cintura fina. Foram poucos segundos até que a jovem conseguisse alcançar a cortina que escondia um buraco retangular na parede. Suavemente, ela ergueu o tecido e entrou no corredor, onde se estendiam portas de madeira desgastadas por todo o comprimento. Os barulhos de sexo e o cheiro de fumaça permeavam o saguão que tinha um carpete vermelho, tão sujo quando o resto do espaço, e as paredes com rebocos aos pedaços.

Enquanto caminhava pelo corredor, a jovem sacou da pequena mochila preta uma máscara escura que encaixava perfeitamente em seu rosto arredondado. A máscara, um modelo que deixava livre a boca, era bege com arabescos dourados ao redor, semelhante à máscara de uma verdadeira dama.

Na quinta porta à direita, a garota deu três toques na porta e um chute delicado. Essa era a única porta que possuía um visor, do qual uma portinhola foi aberta e dois olhos verdes examinaram a figura feminina. Sem hesitar, ela retirou do bolso uma rodela de madeira com o símbolo de uma flor de lótus. A portinhola se fechou bruscamente. Em seguida, o barulho das trancas sendo abertas preencheu o silêncio mortal e o segurança, alto e forte, abriu a porta para a moça, a qual adentrou o cômodo com passos decididos e a cabeça erguida.

A sala era mal iluminada e a única mobília, uma mesa redonda de madeira, estava preenchida com a presença de três figuras masculinas ao redor. Rapidamente, a menina se sentou na única cadeira vazia da mesa lascada. Cartas, fichas e um copo com whisky e gelo estavam dispostos na mesa. Todos os participantes olharam para a garota.

-Você perdeu a primeira mão. O palhaço ganhou quase todo o dinheiro da mesa- Um rapaz com uma máscara preta e branca dividida ao meio que cobria seu rosto inteiramente disse enquanto apontava para o jogador com uma máscara de palhaço sombria sentado à direita da menina.

-Não preciso de ajuda, principalmente de pessoas que pretendo tirar até o dinheiro guardado na cueca- A menina olha para o adversário que se remeteu a ela com ferocidade. Os outros dois jogares deram uma leve risada.

-Cuidado docinho. Posso acabar aceitando a oferta-O homem mascarado como palhaço, com ombros magros e o cabelo oleoso ondulado, retrucou.

A menina sustentou seu olhar odioso sob o sujeito. A quietude foi interrompida pelo bater dos nós de seus dedos na superfície irregular da madeira e um aceno para o dealer. Um garoto usando uma máscara vinho em formato simples, saiu do seu lugar ao fundo do quarto. Duas cartas são postas para a jogadora.

O homem gordo sentado no lado oposto à jovem ,com uma máscara rosa em formato de coelho,  estalou os dedos para o dealer. Imediatamente, o menino se moveu para atender ao cliente, que deixava o suor escorrer pelas laterais da face grande e redonda demais para caber na máscara de coelho. Não demorou para que todos tivessem suas cartas na mesa.

A partida iniciou com os olhares apreensivos dos jogadores entre si e as baforadas do charuto de menta do jogador gordo. A garota começou a rodada com a sua aposta. Suas duas fichas são colocadas vagarosamente no meio da mesa.

-Deixarei essa passar- Disse o palhaço, abaixando suas cartas na mesa e tomando mais um gole de Whisky. – Mais uma dose, por favor. Traga um pouco para nossa amiga também- O homem diz se dirigindo ao dealer, que providenciou rapidamente o pedido do freguês.

-Aposto 3 fichas que a mocinha só tem língua- O coelho fala,curvando-se para frente e encarando a menina-E você, bonitão? -Ele vira o rosto para o único jogador que não havia se manifestado ainda.

-Estou com o palhaço- O mascarado de preto e branco aponta com a cabeça para o outro jogador, que ergue o copo em cumprimento.

O dealer pediu aos jogadores que abrissem suas cartas.

-Não foi tão fácil assim, né, bonitinha? - O adversário mostra suas cartas. Sem se demorar, ele passa as mãos nas fichas ao centro da mesa e as coloca na sua frente.

-Dizem que quem ri por último, ri melhor- A menina dá um leve sorriso ao jogador.

O jogo e as horas passam, o whisky servido para a menina permaneceu intocado durante toda a estadia no quarto, ao passo que o homem mascarado de palhaço impregna o ambiente com o cheiro forte de whisky barato. A ventilação do pequeno cômodo era quase inexistente, a não ser pelo pequeno ventilador que o homem obeso solicitou que fosse ligado.

A última partida da noite começou. O homem com máscara de coelho estava com a maior parte das fichas dos jogadores, seguido do palhaço e do mascarado de preto e branco. A garota só possuía uma ficha em jogo. O dealer distribuiu duas cartas para cada apostador. Os jogadores solicitaram cartas até que tivessem 5 cartas em mãos. A última chance de lucrarem o maior valor possível, ou ao menos, recuperar o que haviam perdido para aqueles que estavam em desvantagem.

As apostas começaram, desta vez, com o mascarado de cor dupla. Ele apostou 4 fichas, deixando outras 3 fichas sobrando na sua frente. O palhaço observava atentamente o jogador na sua frente, então, silenciosamente, arrastou 8 fichas para o meio da mesa, sobraram apenas 2 fichas. Não surpreendentemente, o coelho apostou todas suas fichas com um sorriso nos lábios, certeiro da vitória.

-E você, princesa? – O suor escorria pelo seu pescoço e a cabeça estava com os poucos fios de cabelo molhados por causa do calor.

Sem responder, ela colocou sua única ficha no centro da mesa.

O primeiro a abrir o jogo é o mascarado à sua esquerda: uma quadra de quatro.

-Quase campeão - O palhaço coloca suas cartas na mesa: uma quadra de seis.

Com um sorriso grande e dentes amarelados, o coelho jogou as cartas na mesa em êxtase pela vitória.

-Um Full House, meninos- As cartas são reveladas com a trinca de 8 e o par de 9-Foi um prazer passar a noite na companhia tão agradável de todos- O homem diz dando uma leve risada e colocando as mãos no centro da mesa.

-Quem disse que o jogo terminou? -A menina ergue a sobrancelha para o jogador, que a fita com os olhos arregalados e o rosto gordo e vermelho- Um Full House com trinca de 10. -Ela vira as cartas preguiçosamente para o adversário, que varia os olhos entre a menina e as cartas.

-Ela disse que quem ri por último, ri melhor- O palhaço estica as pernas e as cruza sob os joelhos com um leve sorriso enquanto segura sua última dose de Whisky.


ResistentesOnde histórias criam vida. Descubra agora