Psicoterapia

113 17 148
                                    

CAPÍTULO 2

PSICOTERAPIA

Psychotherapy

          Meu nome é Curtis Wisengand. Já era o ano de 2030. Sete anos se passaram após o assolamento mundial da Covid-19.
          A humanidade se encontrava em um novo pesadelo: uma doença mutante do rato é o que falavam na televisão.
          Sou apenas um cara; aliás, sou alguém que perdeu muita coisa no meio disso tudo. Agora, estou em um consultório de psiquiatria, na zona de quarentena no Texas, de frente para uma voluntária militar do "Exército da Salvação" para saber se estou com um parafuso a menos.
          Droga, às vezes não consigo entender porcaria nenhuma por detrás daquele sotaque francês vindo da doutora Johanna François, é o que diz no crachá dela. Cara, aqueles peitos!

— Senhor Curtis? Senhor Curtis?
— Hã? O quê?
— O senhor está bem?
— Sim, claro!
— Podemos continuar a entrevista?
— Claro! Mas antes... Você pode me dar um segundo? Preciso ir ao banheiro.
— Fique à vontade.

          Ao chegar ao banheiro, vomitei o café da manhã com as panquecas na privada. Maldito sedativo, minha cabeça estava girando mais rápido que o ventilador de teto.
          Ao olhar no espelho, avistei uma versão lamentável de mim mesmo, desesperado como um jarro que acabou de quebrar.
          Enxuguei meu rosto na toalha de papel e voltei para a cadeira, encarado pelos olhares gelados dos dois militares armados do *E.S.

P.S.: *abreviação para Exército da Salvação

          Como eles conseguem enxergar alguma coisa por detrás daqueles óculos engraçados e bacanas? São escuros, mas ouvi falar que possuem visão térmica para saber quem possui o parasita ou sinais de saliva na pele.

— Pode continuar, doutora!
— Certo. Vamos lá! Qual a sua idade?
— 34.
— Onde nasceu?
— Em Austin.
— Qual a sua etnia?
— Negro.
— O senhor faz uso de entorpecentes?
— Não, quer dizer, apenas bebida alcoólica, mas bem pouco, entende? E já fui fumante há onze anos.
— Ok. É casado?
— Não, não mais. Eu era...
— O que aconteceu?
— Ela morreu. No começo do surto.
— Que pena! Qual era o nome dela?
— Linda, Linda Wisengand.
— Como aconteceu?
— Bem, um cara louco com o carro desgovernado atropelou-a quando tentávamos sair da cidade.
— Lamentável. Filhos?
— Sim, dois. Uma garota do meu primeiro casamento, a Lisa, e o mais novo, Piter, do segundo com a Linda.
— O que aconteceu com eles? Onde eles estão agora?
— O garoto, o Piter, foi morto atropelado junto com minha esposa. E a minha garota... (suspiro) A senhora pode me dar um segundo?
— Presumo o quanto deve ter sido doloroso para você.
— Minha Lisa se soltou da minha mão e a perdi no meio da multidão. Desde então, não ouvi mais notícias dela, nem no rastreamento dos rádios da base militar em Detroit.
— Qual era a sua profissão antes de tudo isso?
— Encanador.
— Você acredita em Deus, senhor Curtis?
— Deus? Eu costumava acreditar nessas coisas até um certo tempo atrás, mas agora...
— O quê? Agora, o quê?
— Por que estamos tendo essa droga de conversa, doutora?
— Você sabe por quê. Você foi pego sozinho dentro de um armazém com três *dementes mortos no chão e você os matou.

P.S. : *Apelido dado aos infectados pela doença

— Não estou contaminado, tá bom? E se a senhora quer saber o que acho sobre Deus? Acho que Ele nos abandonou faz tempo! Basta olhar fora desses muros, onde está aquele mar de pessoas com aqueles olhos brancos, perambulando de um lado para o outro, e a senhora vai ver que Deus nos abandonou de verdade. E quer saber? Já era hora disso acontecer!

          Minha voz exaltada foi o suficiente para silenciar a doutora por alguns segundos e fazer os soldados passarem a mão nos fuzis. Ela escreveu algo na prancheta e tirou os óculos, com aquele olhar penitente de quem conhece as complexidades humanas.

— Senhor Curtis, entendo a sua frustração. Sou psicóloga há 17 anos. Afinal, todos nós perdemos alguma coisa de valor nesse inferno e acredito que tudo o que está acontecendo seja um castigo por todos os nossos pecados, talvez.
— Certo. O que acontece agora?
— O senhor conhece os três estágios do parasita mutante?
— Não muito.
— Bom, aqui está um panfleto exemplar impresso pela base geral da E.S. Espero que você dê uma lida com calma depois.
— Estou liberado?
— Por enquanto, sim. Espero que você encontre sua filha.
— Obrigado!
— Antes de retornar aos seus aposentos, recomendo que se limpe e tire essa roupa suja de sangue. Com sorte, houve sinais de saliva apenas em seu braço; não recomendo que você esfregue em seu rosto. Se fosse uma cuspida na face, com certeza você seria um deles agora.
— Sorte?
— Quem sabe!
— Até mais, doutora.

Panfleto da E.S.:

Primeiro estágio do Toxoplasma:

A vítima apresenta olhos embranquecidos, febre alta, tremedeira e falas aleatórias ligadas às emoções.

Tempo de transformação após a contaminação: apenas um minuto.

Segundo estágio do Toxoplasma:

A vítima apresenta espasmos musculares agressivos ao ponto de fazer alguns ossos do corpo se partirem.

Apresentam pequenas hemorragias nos ouvidos e narizes.

Cospem freneticamente um excremento de mucosa branca pela boca, contaminando os outros.

Tempo de transformação entre o primeiro e o segundo estágio: apenas cinco minutos após a transformação.

Terceiro e último estágio do Toxoplasma:

A vítima começa a caminhar, perambulando em inércia de reações.

Gemidos, como sussurros baixos, podem ser ouvidos vindo delas.

Nesse estágio, assim como nos anteriores, as vítimas estão completamente cegas e possuem uma audição aguçada, ou o que pode ser chamado de ecolocalização, ao ponto de matar com agressões físicas quem fizer o mínimo ruído.

Depois de dois dias nesse estágio, a vítima comete um suicídio misterioso.

O tempo de transformação entre o segundo e o terceiro estágio é de apenas uma hora.

          No meu quarto, estava terminando de ler o panfleto dado pela doutora. O banho havia me revigorado; no chuveiro, me lembrei do quanto foi assustador abater aqueles dementes que, pela informação no panfleto, estavam no segundo estágio.
          Como de costume, fiz o meu ritual, colocando a foto das férias da minha família encostada no abajur, onde fico olhando durante meia hora. Foi naquele instante que escutei batidas calorosas na porta do quarto.

— Senhor Curtis? Está acordado?
— Espera um minuto!
— Senhor Curtis? Temos uma informação importante!
— Já vai, já vai. Nossa!

           Ao abrir a porta, protegi o rosto da claridade da luz no corredor que invadiu o quarto quase escuro. Era um soldado do E.S. com um fichário na mão.

— O senhor é Curtis Wisengand?
— Sim, senhor. Sou eu mesmo.
— Venha comigo!
— Mas pera aí, já estava indo dormir...
— Você precisa vir agora!
— Como assim? Fiz algo de errado, oficial?
— Encontramos sua filha!

          

A Demência Onde histórias criam vida. Descubra agora