LIVRO DE CONTOS 18+
"Mau Agouro" é uma jornada pelos recantos sombrios de uma cidade no interior do Ceará, onde contos entrelaçados revelam uma trama sinistra que assombra os moradores locais. Cada história desvenda um véu, explorando as mentes e o...
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Rogaciana acordara feliz naquela manhã de sábado, pois teria o prazer de saborear carne ao meio-dia. Proveniente de uma linhagem de pescadores, não era comum para Rogaciana e sua família desfrutar de carnes em suas refeições diárias, restringindo-se, em vez disso, a piabas e pequenos carás. A casa de Rogaciana e sua família era singela e sem reboco nas paredes, emergindo dentre as sombras dos cajueiros que se estendiam ao longo das margens do Rio Urucubaca. Uma brisa suave, impregnada com o aroma inebriante dos peixes, entrava na humilde casa enquanto ela contemplava, pela janela de sua cozinha, o rio fluir serenamente. Seus cabelos negros e encaracolados repousavam pesadamente sobre seus ombros largos que refletiam árdua tarefa de consertar redes e aprontar canoas ao sol escaldante do meio-dia. O Rio Urucubaca atravessava a cidade em que residia Rogaciana. Suas águas, de tonalidade verdejante e brilhantes sob o sol abrasador do nordeste, espelhavam as cores do céu e a sombra das árvores que o cercavam. Uma lenda sinistra envolvia a cidade, relacionado a um som peculiar que ecoava do rio, um rugido profundo e constante. Segundo a lenda, aquele que ouvisse o que chamavam de ronco do rio seria o próximo a encontrar a morte. Entretanto, Rogaciana, habituada ali há bastante tempo ao lado de seus pais e seu irmão, sabia que se tratava de uma farsa, era meramente o som do vento soprando. Mesmo seu pai insistindo, contando-lhe a história de um pescador que se atirou da ponte ao escutar o rugido e nunca mais emergiu, ela permanecia convicta de que era história contada para assustar crianças e turistas. Rogaciana, consciente de suas múltiplas responsabilidades, estava ciente dos inúmeros afazeres que a aguardavam naquele final de semana que seus pais tiravam para descansar e acordar mais tarde. Precisava matar os animais, preparar a carne, cortar, amaciar, cozinhar e, em seguida, dirigir-se à margem para organizar a canoa para a pesca no outro dia. Suas mãos ossudas habilmente torciam o pescoço do animal com destreza, a faca se aprofundava na carne. Com bastante força e precisão ela conseguia abrir o peito do outro animal. Em seguida, ela começava a manusear as panelas como sua mãe a ensinou, enquanto o apetitoso aroma do almoço em preparo envolvia o ambiente. Ela estava ciente da urgência em terminar o almoço rapidamente, pois seu irmão Sidnei, que estava na feira vendendo os peixes pescados por sua família, voltaria para casa e almoçaria lá. Antes disso, ele teria que passar na casa de Dona Mercedes, uma senhora próxima a nossa família que se encontrava doente, para entregar alguns peixes. A panela de barro exibia orgulhosamente o arroz recém-cozido, e o feijão mulatinho borbulhava na panela de ferro, exalando um aroma irresistível de cheiro-verde. Enquanto isso, a carne suculenta, cortada em pedacinhos, grelhava em uma pequena caçarola. Com o coração pulsando acelerado, Rogaciana observava atentamente cada movimento lá fora. Seus olhos fixos na ponte que levava à sua casa buscavam ansiosamente qualquer sinal da figura conhecida de seu irmão. Sidnei, com seus cabelos crespos e olhos cor de mel, trazia consigo sempre uma aura de serenidade e alegria. Rogaciana não conseguia conter sua felicidade ao pensar na surpresa que aguardava o irmão, que não comeria peixe naquele dia. A figura de Jesus Cristo coberta de sangue, gravada no relógio de parede, parecia olhar atentamente Rogaciana. O silêncio que pairava na casa, geralmente preenchido pelo burburinho das vozes e pelo som das folhas dos cajueiros, agora inquietava o seu ser. O delicioso aroma da refeição, preparada com amor por Rogaciana, parecia permanecer suspenso no ar, como se esperasse por algo. Movida por um impulso, Rogaciana decidiu organizar a canoa, mesmo ainda não estando na hora, e verificar a possibilidade de seu irmão ter escolhido o caminho do rio. Ao alcançar as margens do rio, os olhos de Rogaciana se fixaram na canoa desgastada pelos dias e noites que seu pai passara no rio em busca de peixes. O casco de madeira expressava marcas do uso e da exposição à força das águas, com baldes, botas, chapéus, iscas e tarrafas espalhados pelo pequeno espaço. Determinada, Rogaciana deu início à organização da canoa, retirando a água acumulada com o balde amarelo de tinta que havia sido reciclado para essa tarefa. Enquanto Rogaciana continuava com seus afazeres, seus ouvidos foram surpreendidos por um som inesperado. Era o ronco do rio. Seus olhos se voltaram em direção ao som que emanava do outro lado das águas. Para sua surpresa, era um pássaro, uma coruja com o bico arqueado. Rogaciana não conseguia acreditar que um pássaro fosse capaz de produzir tal ruído, mas também não podia ignorar o fato de que não acreditava que fosse o rio. Enquanto o majestoso pássaro alçava voo pelos céus, Rogaciana foi repentinamente interrompida por um som agudo e angustiante que ecoou pelo ar. Seu coração disparou instantaneamente, e a adrenalina correu em suas veias. Era o grito de seu irmão.
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Sem hesitar, Rogaciana abandonou seu posto nas margens do rio, deixando para trás a canoa ainda bagunçada. Correu de volta para casa, atravessando o terreno com agilidade, seus pés descalços sangravam com o atrito nas pedras afiadas. Rogaciana adentrou a casa pela porta da cozinha. Seu irmão, Sidnei, estava ajoelhado ao lado do corpo inerte de sua mãe, seus olhos arregalados de choque e horror. Suas mãos tremiam descontroladamente, agarradas ao cabo de um machado que estava cravado no peito da mãe. O relógio com a imagem de Jesus Cristo parecia observar toda a cena em silêncio. As mãos de Sidnei tremiam intensamente a cada movimento que fazia para libertar a mãe daquele objeto terrível que a atravessava. O suor escorria incessantemente por sua testa, mesclando-se com as lágrimas que caíam desesperadamente. O corpo de sua mãe estava dilacerado, com as articulações despedaçadas, como se tivessem sido brutalmente destruídas pelos golpes do machado. Rogaciana, paralisada com a visão macabra diante de si, fixava seu olhar nos punhos mutilados de sua mãe. As paredes, ainda com os tijolos de barro amostra, encontravam-se agora manchadas por um vermelho intenso, como se o próprio sangue se fundisse com a superfície. Um odor nauseante de sangue fresco envolvia a casa, penetrando cada recanto daquele pequeno lugar. Sidnei apontou para o terreiro como se algo terrível aguardasse Rogaciana, ela então agarrou uma afiada peixeira que estava sobre a mesa da cozinha. Com a arma em mãos, ela se aproximou da porta da sala que dava para a frente da casa, onde um imponente cajueiro se erguia. Seu coração batia freneticamente enquanto seu olhar se fixava na figura macabra que pendia nos galhos da árvore em forma de cruz. Seu pai, suspenso no alto dos ramos, tinha sua cabeça decepada posicionada abaixo de seus próprios pés. Os galhos robustos do cajueiro pareciam suportar o peso de seu corpo, enquanto as redes de pesca pareciam morder sua pele e prendê-lo à árvore. Seu irmão, com passos trêmulos e um olhar vago, tentou avançar em direção ao terreiro, como se de alguma forma pudesse salvar seu pai daquele tormento. Rogaciana, com uma expressão voraz, lançou-se sobre ele, agarrando-o com força. A peixeira, brilhante e afiada para arrancar as entranhas dos peixes, reluzia nas mãos trêmulas de Rogaciana. Em um frenesi de violência desumana, Rogaciana cravou repetidamente a peixeira no peito de seu próprio irmão. Cada golpe era acompanhado por um gemido agonizante de dor, enquanto ele tentava se livrar dos golpes com suas mãos. O sangue jorrava dos buracos fundos, manchando o chão e as vestes de Rogaciana, enquanto a vida se esvaiava do corpo de Sidinei. O rosto de Rogaciana, agora salpicado de sangue fresco, dirigiu-se ao fogão. Seus olhos se fixaram nas mãos decepadas cortadas em cubos de sua mãe, que repousavam grotescamente sob a caçarola coberta de cebolas.
- Que bom que você chegou a tempo. - disse ela, voltando o olhar para o irmão agora morto. - Hoje o almoço não será peixe.
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