CAÇA

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A escuridão era suavizada pela luz pálida da lua, que lançava um brilho trêmulo sobre a paisagem claustrofóbica da mata

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A escuridão era suavizada pela luz
pálida da lua, que lançava um brilho trêmulo sobre a paisagem claustrofóbica da mata. O ar, denso, envolvia a pele do Senhor Manel enquanto ele adentrava o matagal. Senhor Manel, um homem do campo de alma aborrecida, carregava consigo o peso da fome que assolava sua família. Seus passos cansados ecoavam na solidão da noite, enquanto ele se empenhava em encontrar uma pequena presa que pudesse aplacar a fome que devorava seus dois filhos e sua esposa. Com uma foice amolada firmemente em uma das mãos, uma ferramenta de trabalho que agora assumia o papel de instrumento de caça, uma cabaça de água e um facão pendurados em seu cinto, o Senhor Manel estava determinado a matar algum animal naquela noite. O silêncio era ensurdecedor, com a falta dos grunhidos de seu cão de caça que morrera semanas antes, apenas quebrado pelo sussurro do vento entre as folhas secas das árvores e o rangido inquietante dos galhos sob seus pés.
Sua presença na mata era como um espectro silencioso, cada movimento era calculado e preciso, sem deixar rastro ou som que pudesse alertar a presa. Seus sentidos afiados se fundiam com a natureza, captando os mínimos detalhes do ambiente ao seu redor. Enquanto seguia os rastros de um suposto tatu, o Senhor Manel notava a sutileza das pistas deixadas pelo animal. Marcas suaves na terra seca, pegadas delicadas em meio à vegetação densa, sinais que apenas um olhar experiente poderia decifrar mesmo sem lanterna ou fogo algum.
Por horas a fio, o Senhor Manel rastreou o tatu pelas entranhas da mata. Seu olhar perspicaz vasculhava cada canto, buscando qualquer indício do animal esquivo. O silêncio na mata era opressivo, como se até mesmo os animais e insetos tivessem se recolhido em respeito a presença do velho. A escuridão cerrada parecia se mover ao redor do Senhor Manel, como se a mata viva o observasse com olhos invisíveis. E então, em meio à escuridão, ele avistou o tatu. O animal estava encurralado, suas garras afiadas escavando freneticamente a terra. Seus olhos brilhavam de medo.
Era o momento crucial, o instante em que o Senhor Manel deveria agir com precisão. Seus dedos enrugados e calejados cerraram-se em torno do cabo da foice, prontos para dar o golpe final. Mas então um som grave e suave atraiu a atenção do caçador. O barulho misterioso parecia o som que sua finada mãe descrevia ser da criatura caipora que protegia a mata envolta a sua casa de farinha. Naquele momento o velho se arrependeu de ter comido o próprio cachorro vira-lata que usava para caçar. Ao retornar o olhar para o bicho, sentiu-se derrotado, o caçador soltou um suspiro pesado e baixou a foice, resignando-se ao fato de que o tatu havia escapado.
Um grito estridente e rasgado irrompeu no ar, o Senhor Manel adentrou correndo ainda mais a densa mata, impulsionado pelo grito agudo que perfurava seus tímpanos. O caminho se tornava cada vez mais difícil com espinhos de espinheiros que rasgavam suas vestes e com as raízes torcidas ameaçando derrubá-lo a cada instante. Com sua foice afiada em mãos, ele cortava galhos e arbustos no seu caminho, abrindo uma passagem à força. Os galhos se partiam sob o impacto da lâmina, o eco dos cortes ecoava pela mata densa. O suor escorria pelo rosto do caçador, misturando-se com sua feição de horror.
Finalmente, o Senhor Manel emergiu em um espaço aberto na beira do rio. Imediatamente, sentiu seu estômago revirar e uma onda de horror se desdobrou em sua visão. Ele tentou entender o que estava testemunhando, mas sua mente rejeitava a ideia de uma mulher, cuja aparência refletia os mesmos sinais do tempo que marcavam o rosto do caçador, se alimentando de um tatu cru com tal voracidade.
Seu olhar alternava entre a senhora idosa e o tatu sendo consumido com uma urgência quase animalesca. Ele se viu momentaneamente sem saber como reagir. Com a foice ainda firme em sua mão, o Senhor Manel avançou alguns passos hesitantes em direção à mulher grisalha. À medida que o Senhor Manel se aproximava, a mulher erguia a cabeça lentamente, como se sentisse a presença do caçador se aproximando. Os pés do Senhor Manel perderam as forças ao encontrar aquele olhar amarelo selvagem e seus lábios sujos de sangue do animal brilhando como a lua refletia nas águas doces a sua frente.
Sem aviso ou provocação, a senhora emitiu um grunhido grave e profundo, que ressoou pelo ambiente e penetrou os ouvidos do Senhor Manel. Um calafrio percorreu seu corpo, e ele recuou instintivamente, movido por uma onda de medo que parecia irradiar da mulher à sua frente. O caçador não tinha dúvidas era a caipora que sua mãe tanto falara e até então ele acreditava ser história para assustar criança.
Sem olhar para trás, o Senhor Manel sentiu um impulso instintivo de fugir daquele lugar assustador. Seus pés batiam no solo com urgência enquanto ele iniciava uma corrida frenética em direçãoa mata, impulsionado pelo medo que ainda reverberava em seu peito.
À medida que o velho se afastava, o ambiente parecia se rebelar contra sua fuga desesperada. Os galhos secos e retorcidos das árvores pareciam estender-se em sua direção.  Seus músculos queimavam e sua mente se mantinha focada em uma única coisa: escapar.

De repente, o Senhor Manel viu-se envolto por uma densa névoa que se surgia entre a mata, obscurecendo sua visão e distorcendo o mundo ao seu redor

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De repente, o Senhor Manel viu-se envolto por uma densa névoa que se surgia entre a mata, obscurecendo sua visão e distorcendo o mundo ao seu redor. A névoa sutilmente se infiltrou em seus pulmões, deixando um gosto úmido e metálico de sangue em sua boca, enquanto ele lutava para respirar.
Foi nesse momento tenso que um grito agudo e estridente irrompeu da distância, cortando o ar como uma peixeira afiada. Ele reconheceu instantaneamente aquele som assustador - não era a caipora, era o grito de uma ave. A mulher, agora com penas prateadas e marrons que saíam de grandes poros dilatados de seus braços ensanguentados, rompeu o ar em um voo silencioso, pousando suavemente em um galho robusto de uma árvore próxima ao Senhor Manel. Seu corpo sinistro parecia se fundir com o ambiente sombrio ao redor, enquanto suas garras se agarravam com firmeza à madeira enrugada.

De repente, uma voz sutil, porém distinta, ecoou na névoa densa.

- Senhor Manel. - disse a idosa, sua voz melancólica flutuando pelo ar em tons etéreos.

As palavras penetraram na consciência do caçador. Como ela o conhecia?

- Você acredita que hoje veio a caça. - continuou a mulher com a fisionomia de ave. - Mas é exatamente o oposto. Hoje você é a presa. -  complementou a figura humanoide.

A mulher estendeu os braços e voou em direção ao Senhor Manel. Num piscar de olhos, sua foice foi tomada, fazendo-o ligeiramente retirar seu facão da cintura. A mulher, pairada no ar, acertou a foice no braço do velho, que se encostou em uma árvore com dor enquanto o corte em seu braço jorrava sangue quente pelo ambiente escuro. O homem, por sua vez, arremessou o facão, mas a mulher habilmente repeliu o golpe com a lâmina da foice, fazendo com que o objeto voltasse e o acertasse no estômago.
Com o corpo fraco, a mente do caçador girava em torno das palavras da mulher, tentando encontrar um sentido ou explicação para o encontro incomum. A mulher, com suas asas imponentes, segurou firmemente a foice e a arremessou novamente em direção ao homem.
A lâmina cortou o ar com um zumbido estridente, encontrando seu destino e estourando a face do Senhor Manel na altura de seus olhos. Um som metálico ecoou quando a lâmina encontrou resistência em seu crânio que ficou preso contra a árvore. O impacto fez com que seu corpo se contorcesse momentaneamente antes de se dividir e desabar no chão, imóvel. A mulher se lançou sobre ele vorazmente, abrindo sua barriga com o facão que ainda estava preso ao seu corpo, e começou a devorar suas entranhas.

 A mulher se lançou sobre ele vorazmente, abrindo sua barriga com o facão que ainda estava preso ao seu corpo, e começou a devorar suas entranhas

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