Ela nem saberia dizer por quanto tempo ficou no aguardo do retorno do marido, perguntou diversas vezes ao mordomo se o homem frequentemente chegava tarde, mas a resposta era sempre que possivelmente era devido a papelada e coisas do gênero.
Não queria causar uma impressão de ser possessiva ou desesperada, mas a segunda palavra encaixava tão bem ao momento. Notava como alguns empregados olhavam estranho.
Teria uma conversa franca com seu até então marido, nem que precisasse manter-se acordada até o nascer do sol, sentia que precisava entender em que situação estava no local, o que era.
Quando a enorme porta se abriu, se levantou de um dos sofás do salão de entrada, vendo o homem com uma expressão tão apática que quase fez com que desistisse da ideia.
O observou entregar o casaco para uma empregada e pedir para que o mordomo levasse ao quarto algo que aliviasse dor de cabeça.
— Boa noite, marido. Como foi seu dia ? — perguntou receosa como um gato assustado conhecendo um território novo. Ele a encarou com os olhos tipicamente de desafio e não mudou a feição.
— É tarde.— foi tudo que respondeu, caminhando pelos corredores e subindo as escadas como se não tivesse sendo seguido.
— Creio que haja um assunto inacabado entre nós — disse, com passos apressados, a mansão era enorme o bastante para que quase se distraisse.
Ela entrou na mesma porta que ele, parecia ser o quarto, era tão grande e luxuoso quanto o dela.
— Preciso de um banho— ele disse sem sequer encará-la, como se conversassem por um sistema de cartas. De algum modo, era até melhor que não a olhasse, do contrário, ficaria nervosa demais para falar — seja o que for, conversaremos amanhã.
Só a voz já a deixava assustada.
— Serei breve, posso aguardar pacientemente sentada — ele murmurou um "faça como desejar". Ela cruzou os braços, sentindo seu pé bater de ansiedade. Não havia planejado bem o que fazer ou dizer, mas acreditava que poderia convencê-lo.
Ficou por um bom tempo na mesma posição, ele começou a demorar e ela aproveitou a oportunidade para observar o ambiente buscando alguma inspiração, conhecer um pouco mais sobre o homem. Era apenas um quarto perfeitamente arrumado e tão grande quanto o seu, a maioria dos móveis de madeira maciça, nada que indicasse algum gosto pessoal ou características, era na realidade, bem escuro, não parecia que ele deixava luminosidade solar entrar com frequência.
Nem que passasse um longo tempo no cômodo.
Havia uma porta que dava acesso a enorme varanda que atravessava todo o andar e outra que ela não saberia dizer, além da porta do local de banho.
Se aproximou da porta desconhecida, ficando confusa ao notar que não havia maçaneta, tentou olhar pelo buraco da fechadura.
— Pensei tê-la escutado dizer que aguardaria pacientemente sentada. — escutou a voz grave, estremeceu sentindo um calafrio.
Ele estava sem camisa, usava apenas uma calça que parecia ser de lã. Ela nunca havia visto um homem com tão pouca roupa, pingavam algumas gotas dos cabelos escuros, molhando o chão de madeira.
— Só...fiquei curiosa. — justificou-se, encarando todos os lugares menos ele, sabia que era seu marido, mas ainda era difícil encará-lo naquelas condições — queria falar sobre o lençol — foi direta, para terminar o assunto logo e sair. Ele sequer mudou de expressão, pegando uma garrafa de vidro na escrivaninha, de algo que parecia ser álcool e jogando em um copo.
Odiou como as sobrancelhas dele se arquearam, como se estivesse genuinamente confuso e não pudesse entender onde ela estava tentando chegar, porque sentia até as visceras que ele estava se divertindo.
— Aquele sangue não é meu — ele soltou uma risada sarcastica de canto, passando a língua pelos lábios e se aproximando.
Ela quis dar um passo para se afastar, sendo necessário se esforçar para manter os pés parados. Havia algo nele que ela nao conseguia identificar, mas que ativava todos os instintos primitivos de fuga.
— A origem não é relevante quando cumpre com o que deve ser feito — ele terminou o copo em um gole, deixando na escrivaninha e se aproximando da cama, parecia pronto para encerrar a conversa e dormir.
Ela sentiu vontade de chorar e conteve as lágrimas, não queria aparecer ainda mais estúpida, respirou fundo tentando se controlar.
— Fez isso por que achou que eu não sou pura, não é? — era duro aceitar que ele acreditasse de maneira tão fiel nos boatos que sequer se desse ao trabalho de dar o benefícioda duvida, o que tinha ele tinha a perder?
Com o casamento, mesmo com os motivos políticos por trás, teve a ilusão de que finalmente alguem pudesse confiar em suas palavras, agora doía ainda mais do que quando pensou que não houvesse quem acreditasse.
Sua esperança desde o início sobre a noite de núpcias, fora justamente que depois daqueles anos, ao menos uma pessoa soubesse a verdade.
Mesmo que agora todos soubessem que o padre havia verificado o lençol e o casamento fora oficializado, que ela havia se guardado, parecia tao ruim quanto antes que justamente a pessoa que estava casada consigo acreditasse no oposto ao ponto de forjar um sangramento.
—- Nao precisava ser feito daquela maneira, os boatos são falsos, se me der uma chance de provar... — disse, vendo sua voz falhar e fechando os olhos, contra a própria vontade, procurou pelas mãos pelos laço do chale para retirar, estava muito nervosa e com frio, mas disposta a ignorar isso e fazer o necessário.
A diferença entre a altura de ambos parecia ainda mais evidente, tentou regular a respiração, precisava se acalmar.
Notou os dedos esguios e longos deterem sua mão de tirar a peça.
— Não é necessário — ele disse em um tom baixo, quase como se soubesse que sua voz a assustava. Uma parte dela quis respirar em alívio por detê-la, mas outra maior se desesperou ainda mais, porque significava que continuaria a mercê do divórcio.
— Por que fez aquilo?
Ele suspirou, como se já estivesse cansado do assunto, parecendo decidir o que dizer.
— Homens como eu, precisam trabalhar muito mais do que suas macias mãos sequer podem imaginar, eu estou em algo importante agora — ele pareceu procurar a palavra correta — e meu dia foi muito, muito cansativo, eu apreciaria se pudesse compreender e se retirar.
— Mas...
— Quanto a boatos, não gaste sua cabeça com este tipo de suposição, eu realmente não sei e não me importo com o que quer que estejam falando — ficou surpresa, tentou encontrar vestígios de mentira ou piada, mas não havia, ele parecia apenas cansado de um longo dia e impaciente com sua presença.
Tentou pensar em algo para responder a altura, mas tudo que saiu fora um suspiro, ter que engolir seu orgulho e sair foi mais difícil do que esperava.
Saiu do quarto, encostando em uma das paredes do corredor, não estava naqele maldito livro que ele poderia se recusar, o que ela poderia fazer agora? Dizer ao padre? não, isso traria problemas demais.
Caminhou pelos longos corredores, ao mesmo tempo que aquele lugar era enorme e bonito, sua atmosfera parecia oca por dentro, quase como se o local fosse desabitado.
Ficou pensativa sobre o que ele disse em relação aos boatos, a hipótese de que realmente não fizesse ideia, fazia sentido quando levava em consideração que ele se casou com ela.
Ele teria o feito se os rumores tivessem chegado em seus ouvidos? Possivelmente não. Se descobrisse o quão terríveis eram, talvez até rompesse a união, poderia dizer ao padre que foi lesado, ou que não estava ciente da situação.
Mesmo que ele tivesse dito não se interessar, talvez apenas não imaginasse que fosse algo tão grave.
Esse casamento precisava ser consumado,
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Contraste Em Relevo.
RomansaQuando Lie é retirada do convento devido a um casamento arranjado por seus pais para evitar a falência, ela não poderia imaginar que seu marido seria o enigmático Athan Lémieux, um novo rico cuja ascensão inexplicável intriga a todos. Os problemas s...