III-Não vá só.

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Na manhã seguinte, Betsy fez esforço para acordar cedo, mesmo tendo tido uma noite difícil.

Usar Difícil como adjetivo era eufemismo se fosse levado em consideração que ela havia passado a noite chorando quando caiu a ficha de que seu casamento não seria nenhum pouco parecido com o que ela havia imaginado em seus sonhos.

Quando desceu as escadarias e foi para a sala de café da manhã, o observou sentado em uma das pontas, com os olhos fixos no jornal, tomando alguma bebida quente que cheirava a café.

Suas sobrancelhas grossas se mantinham alinhadas e o cenho franzindo quando estava concentrado, quase parecia bravo.

Ela se aproximou e o mordomo puxou a cadeira, tentou ser discreta com os olhares para o marido, mas fora uma tarefa árdua ter que desviar, especialmente quando a cor da pele dele brilhava em um tom alaranjado devido ao sol nascente na janela, era algo que prendia o olhar, era bonito.

Os fios pretos estavam penteados para trás, perfeitamente alinhados, os olhos se moviam na folha.

- É um lindo dia -decidiu iniciar, em um tom baixo, ainda constrangida pela noite anterior, felizmente ele não parecia nenhum pouco interessado em falar sobre o assunto - Vai a cidade hoje?

- Sim - disse, sem tirar os olhos da folha. A voz dele, já naturalmente grave, se tornava especialmente assustadora pela rouquidão da manha.

Suspirou enquanto sua xicara era servida, se encarando pelo reflexo do grande espelho lateral, seu cabelo castanho claro nunca foi considerado particularmente bonito.-especialmente quando comparado ao belíssimo loiro prateado de seus irmãos.- Mas parecia ainda pior naquele coque apertado.

Cuidadosamente comeu um pedaço de torta de chocolate com nozes, engolindo um gemido de satisfação. Tudo ali era tão saboroso, ela raramente poderia comer doces tão elaborados em casa ou no convento, mesmo nos últimos anos que esteve na casa Sallate, dificilmente o café da manha parecia tão farto.

Observou de relance o jornal, normalmente mulheres não aprendiam a ler porque os familiares diziam não haver utilidade. Mas no convento uma das irmãs havia a ensinado o básico, para que ao menos conseguisse ler a Bíblia. Estava longe demais para que ela conseguisse focar.

- O senhor Sammiston já foi encontrado?-perguntou, era o assunto mais falado no momento por toda a capital, o dono da rede de boutiques havia desaparecido sem deixar qualquer sinal.

Os olhos frios dele se moveram a encarando, ela abaixou a cabeça, pensando tê-lo incomodado por interromper a leitura, mas ele apenas tomou mais um gole.

- Não.

- Muitos disseram que ele morreu, rezo para que esteja bem-disse, nervosa. Ele parou a leitura, a encarando em silêncio por alguns segundos. Ficou nervosa, havia digo algo de errado? sempre foi repreendida por falar em momentos importunuos ou se expressar errado- digo, seria trágico para a família e para ele... - se explicou, notando como a inexpressão dele sequer deslizava.

Sentiu a perna se mover um pouco, ansiosa. Colocou sutilmente a mão por cima, para parar o movimento.

- Que Deus tenha misericórdia -disse, voltando a ler. A frase doce saia de lábios tão frios que soava como se estivesse apenas lendo.

Ela voltou a tomar a tomar o chá, ele a assustava.

- Eu gostaria de fazer um pedido.-disse em voz baixa, por que ele tinha que ter uma expressão sempre tão inelegível? Não poderia sorrir? Ou entao ficar bravo? Era difícil identificar se estava pisando em ovos - gostaria de visitar minha irmã mais velha, Sarter, é na cidade. Sei que é um homem ocupado, mas posso aguardar sua disponibilidade...-encarou suas unhas roidas, era um hábito que ela nunca havia conseguido abandonar, mesmo com os incansaveis recebidos tapas e sucos de limão com pimenta.

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