o pobre Ernie Diaz- pt 4

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Última parte desse capítulo!!

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O amor não é tudo e um filme do Gary DuPont em que eu queria o papel acabaram saindo quase na mesma semana. O amor não é tudo gorou. E Penelopes Quills, a atriz que ficou com o papel que eu queria, fazendo par com Gary, foi malhada por críticas.

Recortei uma resenha que fala mal da atriz e mandei por correio interno do estúdio para Harry e Ari, com um bilhete escrito "Eu teria arrasado".

Na manhã seguinte, tinha um recado de Harry no meu trailer: "Certo, você venceu".

Harry me chamou no seu escritório, e disse que tinha conversado com Ari e que eles tinham dois papéis em potencial para mim.

Eu poderia interpretar uma herdeira italiana como coadjuvante num romance de guerra. Ou fazer o papel de Jo em mulherzinhas.

Eu sabia o que significava interpretar Jo. Sabia que ela era uma mulher branca. E mesmo assim era isso que eu queria. Não abri as pernas para ficar pensando pequeno.

- Jo - respondi - pode me dar o papel de Jo.

E, com essa escolha, fiz as engrenagens da máquina do estrelato começarem a girar a meu favor.

Harry me apresentou para Gwendolyn Peters, a esteticista do estúdio.

Gwen clareou meu cabelo e cortou mais curtinho, até a altura do ombro. E desenhou minhas sobrancelhas. Tirou os pelos que eu ainda tinha entre elas.

Fui me consultar com um nutricionista, que me mandou perder exatamente três quilos, me aconselhando a começar a fumar e a trocar algumas refeições por sopa de repolho. Trabalhei com um fonoaudiólogo, que me fez perder o sotaque nova-iorquino e me proibiu de falar qualquer coisa em espanhol.

E, como era de se esperar, preenchi um questionário de três páginas sobre minha vida até então. O que meu pai fazia da vida? Como eu gostava de passar meu tempo livre? Tinha algum animal de estimação?

Respondi tudo com seriedade, o pesquisador leu em uma sentada e falou

- ah, não, não, não. Isso não serve. De hoje em diante, sua mãe morreu num acidente e você foi criada pelo pai. Ele trabalhava na construção civil em Manhattan, e nos fins de semana te levava para passear em Coney Island. Se alguém perguntar, você adora jogar tênis e nadar, e tem um são-bernardo chamado Roger - ele falou enquanto eu tentava entender.

- Roger? Sério não tinha um nome melhor? - falei pelo nome um tanto quanto estranho do cachorro.

- sim, Roger - respondeu.

Posei para pelo menos uma centena de fotos de divulgação. Com meus cabelos loiros, minha silhueta mais fina, meus dentes mais brancos.

É quais inacreditável o tanto de coisa que me mandaram fazer. Imagens sorrindo na praia, jogando golfe, correndo pela rua sendo puxada por um são-bernado que alguém pegou emprestado de um cara da cenografia. Tinha fotos minhas pondo sal numa toranja, atirando arco de flecha, entrando num avião de mentira. Isso sem falar nas especiais para as festas de fim de ano. Num dia de calor escaldante em setembro, eu estava com um vestido de veludo vermelho, ao lado de uma árvore de natal toda acesa, fingindo abrir uma caixa com um gatinho dentro.

O pessoal do figurino era consistente e exigente a respeito de como me vestir, por ordem de Harry, o que sempre incluía uma blusa de lã apertada, abotoada até a altura certa.

Não fui agraciada pela natureza com um corpo violão. Minha bunda era reta como uma tábua. Dava para pendurar um quadro nela.
Era o meu peito que mantinha o interesse dos homens. E mulheres admiravam o meu rosto.

Eu estava sendo preparada para ser duas coisas opostas, uma figura complicada, que era difícil dissecar, mas fácil de gostar. Era para ser ingênua e erótica ao mesmo tempo. Como se eu fosse complexa demais para né preocupar com ideias pouco complexas que as pessoas faziam de mim.

Era tudo papo-furado, óbvio. Mas uma coisa bem fácil de fingir. Às vezes acho a diferença entre um atriz e uma estrela é que a estrela se sente a vontade sendo aquilo que o mundo deseja. E eu me sentia confortável sendo inocente e também sugestiva.

Quando as fotos foram reveladas, Harry me chamou no escritório dele. Eu sabia qual ia ser a conversa. Sabia que tinha uma última peça a ser encaixada.

- que tal Amélia Dawn? Tem uma sonoridade interessante, não? - ele disse

- E se fosse alguma coisa com as iniciais EH? - perguntei

- Ellen Hennessey? - ele sacudiu a cabeça em negação - não, pomposo demais. - completa.

Olhei para ele e disse aquilo que tinha pensado na noite anterior como se estivesse passando pela minha mente naquele exato momento.

- que tala Evelyn Hugo?

Harry sorriu.

- tem um toque francês, gostei- ele apertou a minha mão e eu retribuo o aperto.

Virei a maçaneta da porta, mas Harry me pediu para esperar.

- tem mais uma coisa - ele falou

- certo.

- li suas respostas no questionário de entrevista - ele olhou bem para mim. - Ari ficou muito satisfeito com as mudanças de visual que você fez. Acha que você tem potencial. O estúdio considera uma boa ideia ser vista em público com caras como Peter Greer e Brinck Thomas. De repente até Don Adler. - ele fala e fico ali chocada.

Don Adler era o autor mais badalado do Sunset. Os pais dele, Mary e Roger Adler, foram os dois dos maiores astros do cinema nos anos 1930. Ele era da elite de Hollywood.

- isso seria um problema? - Harry questionou e eu saí do meu transe

- não - respondi - problema nenhum.

Ele balançou a cabeça e me entregou um cartão de visita.

- ligue para Benny Morris. Ele é advogado, trabalho aqui dentro. Foi quem cuidou da anulação de Ruby Reilly como o Mac Riggs. Ele vai te ajudar a resolver sua situação. - entendi o que ele quis dizer.

Fui para casa e avisei Ernie que ia pedir a separação.
Ele chorou por seis horas seguidas, e no meio da madrugada, comigo deitada na cama ao seu lado, falou:

- bien. Se é isso o que você quer.

O estúdio deu dinheiro como cala-boca para ele, e eu entreguei uma carta toda moída dizendo o quanto estava sofrendo com a separação. Não era verdade obviamente. Nunca o amei de verdade.

Não me orgulho do que fiz com ele.
Mas também não me lamento.
E também ele se casou denovo, com alguém que realmente o amava.

Posso dizer que não me arrependo de nada.



Os sete maridos de Evelyn Hugo e o seu único amor- adaptação do livro original Onde histórias criam vida. Descubra agora