Fita 6 - Lado A

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Pressiono minhas costas contra a mesa. Ou como carinhosamente a chamo, antro da promiscuidade.

A agente não abriu mais a boca, o que é uma surpresa, considerando que há cerca de oito minutos atrás apenas exigia até ser obedecida.

Bem ao seu lado, compartilhando o sofá detonado, estava sua colega. Meio pensativa, encarava o puro nada no chão.

‒ Não há como condenarem alguém que nem viveu o suficiente para cometer seus pecados ‒ engoliu o nó em sua garganta, empurrando para dentro a vontade de sair dali para não precisar escutar a história.

Nitidamente estava incomodada. Os traços marcados e contorcidos indicavam a prévia do arrependimento que sentiria caso não desce ouvidos para Ji-Woo ‒ que, como Nam-Soon, ‒ também lidada com suas emoções.

A garota ficou tentada a encolher, mas controlou a postura, mantendo-se curvada com os braços apoiado nas pernas abertas. Tentou transparecer desleixo, mas a rigidez em seus músculos a denunciava.

Ladeio a cabeça, bisbilhotando o pontinho coberto pelo pedaço de tecido. A figura mais parecia um fantasma, só não fedia como um ‒ carne podre queimada estaria mais perto de um zumbi do que de uma entidade.

Aperto a mandíbula, tendo plena convicção de que não estava desse lado quando o vimos pela primeira vez.

‒ Botou o cadáver pra dentro? ‒ sibilo, recebendo apenas um olhar incompreendido. Nem preciso me dar ao trabalho de indicar, mantenho minha atenção sufocante no rosto até que enfim repare.

‒ O rato? ‒ movimentou os lábios, sem emitir nenhum sonido. Um resquício de confusão manchou o marrom das íris ‒ Por que mexeria nele?

Aperto as bordas da mesa até os nós ficarem brancos.

‒ É falta de educação responder com outra pergunta ‒ reprimo entre dentes, notando seus ombros subirem e descerem indiferentes.

A tal Ji-woo espeta o nariz no ar, puxando fôlego para continuar. O som exaurido roubou a atenção da agente, impedindo de dar continuidade ao nosso conflito silencioso.

‒ Ela segurou minha mão. Pediu com aquela voz meiga para levá-la de volta para o piquenique de aniversário da sua amiga porque ela havia se perdido, então pedi para me mostrar a direção de onde veio, mas ela sequer se lembrava ‒ parou, unindo as mãos num aperto forte ‒ Aconteceu muito rápido. Não só sua morte, como os instantes em que ele a tomou de mim.

Alterno afiado para Nam-Soon bem na hora que um sentimento distinto transpassa seu semblante concentrado.

Era sombrio, carregado de mágoa.

‒ O cretino ainda teve audácia de sorrir, prometendo todas as frutas docinhas da estação que ela desejar. A menininha aceitou, mas não antes de perguntar se podia dividir com as amigas quando voltasse para comemorar e...

A voz reduziu-se a um sussurrar.

Os olhos de Ji-Woo cintilaram, mas não pelas lágrimas. Não, ela dava a impressão de não chorar na frente de qualquer um, era seca, feito as dunas desérticas.

Soaria patético demonstrar comoção por uma alma que sequer conhecia. Era o seu trabalho, envolver o emocional tornava-se um risco.

Chorar na frente de outra alma, uma foragida e caçada como um leitão gordo em véspera de abate, ‒ era mais imprudente ainda.

‒ Eu juro, Kang. Foi rápido a ponto de não conseguir ter uma reação, mas quando o vi indo buscá-la, o momento em que estendeu seus dedos e ela nem hesitou antes de aceitá-los ‒ pressionou a testa contra as mãos fechadas, completamente desolada ‒ Segundos nunca passaram tão lentos.

Você é minha redenção - Ryu SioOnde histórias criam vida. Descubra agora