quatro.

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Anos atrás...

- Por Inari, Hayato! - Exclamou a dona dos cabelos vermelhos, de forma nervosa.

Os dois discutiam desde o começo do dia, pois ele estava cansado. Já fazia um ano que estavam juntos e Celestya não havia superado o luto de seu ex marido, em seu coração, ele entendia que era algo sensível para ela, mas seus pensamentos o convenceram de que ele era apenas uma sombra do que Gael um dia foi. Como ela falava dele, como suas lembranças o guardavam com tanto carinho, aquilo o deixava triste por sentir que nada que fizesse nunca faria sua esposa o deixar ir.

- Celestya, eu sou apenas a sombra dele. - Exclamou. - Todos falam o quanto ele era maravilhoso pra você, mas e eu?

- Isso não tem nada a ver! Eu não tenho como apaga-lo da minha mente, Hayato. Não é tão simples. Eu vivi mais de dez anos ao lado dele, tive uma filha com ele, me casei!

- Mas você está comigo, agora!

- Hayato. - Suspirou. - Eu o amo, com todo o meu coração. Mas não posso simplesmente apagar a vida que eu tive antes de você.

- Não estou pedindo para apagar, mas para superar! Já faz doze anos, Celestya.

- QUANDO EU MORRER VOCÊ VAI ENTENDER. - Gritou furiosa, e suspirou.

- O que?! - A olhou, confuso. - Você é imortal do que-, não, você não...

- Fiz isso a anos atrás. - Passou a mão pelos cabelos. - Mas quando ele morreu, retardei meu envelhecimento.

- Não, não! Você não pode fazer isso comigo.

- Eu não posso-

- Eu vou falar com Inari, ela pode reverter isso! Ela pode te dar a imortalidade de novo. - Interrompeu desesperado.

Naquele dia, o coração da Kitsune se despedaçou, como poderia viver sem ela?! Como poderia ver a vida sem ela? Não, não aceitaria jamais aquilo, seus pés andavam de um lado para o outro enquanto seu cérebro encaixava a peças, ela sempre estar doente e com dores, ir ao médico com frequência, suas gripes, o cabelo caindo. Nunca havia visto isso numa Kitsune imortal, mas ela, era apenas uma raposa com a vida passageira.

— Hayato...

— Ela pode! Ela vai-

— Eu pedi pra ela tirar, Hay. — Disse segurando o braço do homem. — Não há como voltar atrás.

— Não...

Ele saiu, para algum lugar, mas não queria saber daquilo. Enquanto caminhava na chuva, viu um bar de esquina e se sentou, bebendo todo o álcool possível daquele lugar, tequila, whisky, vodka, cerveja, misturou tudo e chorava, e como chorava. Não queria aceitar que ela morreria, não queria ter vê-la definhar aos poucos, morrer conforme os dias passavam e ver que ela já não teria mais aquele brilho, que estaria cansada demais e pior, que nunca mais a veria de novo. Seu coração doía e não havia remédio que curasse aquela dor, mesmo o álcool amenizava seu coração magoado. Ele empurrava as mulheres que vinham até ele o consolar, negava a todo momento os toques delas e saia de perto.

— Não me toquem. — Olhou para uma delas. — Eu ainda estou... Estou sendo educado, mas se continuarem, deixarei o cavalheirismo de lado.

Sua visão estava tão turva que mal conseguia ver o nome da garrafa de tequila que havia esvaziado, se deitava no balcão enquanto as pessoas do bar iam embora. Como ele poderia viver sem Celestya? Como ele poderia vê-la definhar aos poucos? Aquilo era demais, demais pro seu coração cansado. Não conseguia acreditar que teria que passar por aquilo, que teria que a enterrar futuramente e nunca mais ver seu sorriso, ver ela pentear seus cabelos em frente ao espelho, se arrumar para poder ficar em casa apenas porque gostava, não poder mais a levar para passeios noturnos e restaurantes que ela amava ir. Sua cabeça estava num turbilhão de pensamentos, mal sabia como processar aquela nova informação de uma forma que não fosse negativa, a imortalidade era uma maldição para todos, é verdade, ver todos morrerem e ficar solitário era uma dor que ambos compartilhavam, mas quando se encontrava uma pessoa como ele, o fardo já não era tão grande. Hayato já havia perdido todo mundo, seus pais, irmãos, amigos, já havia visto a bondade e a crueldade humana de perto tantas vezes que mesmo que se rendesse ao prazer desse mundo, o enjoava. A Raposa Vermelha o fazia mudar de ideia, ela tinha o coração tão puro que se perguntava como em todos esses anos ela não havia se tornado alguém amargurado como ele, ela o fazia voltar a amar as coisas como se fosse a primeira vez que havia visto tudo aquilo, o amor dela parecia revolucionar tudo o que já havia visto, vinhos agora não eram mais sua companhia durante a melancolia, agora era apreciado ao lado dela, tulipas já não eram mais comuns pois eram as favoritas dela, eram as melhores flores que ele já havia visto.
  Ele não sabia como havia voltado para casa, mas ele conseguiu chegar e sair do carro cambaleando enquanto retirava a gravata, sem sucesso, apenas balbuciou um palavrão passando pela porta. Assim que chegou, viu a mulher sentada na poltrona olhando para ele com uma feição decepcionada, ele sorriu como resposta indo até ela.

— Não cheguei perto de mim.

— Ahn? Por que? — Perguntou indignado.

— Por que, Hayato?! Você enche a cara por causa de uma discussão que tivemos e finge que não fez nada?!

— Ah, mas que porra de gravata. — A puxou, jogando no chão. — Não foi por isso não.

— O que é isso? — Se levantou, puxando o colarinho do mais velho, notando uma mancha de batom, rosnando ao sentir o cheiro de perfume feminino.

— Elas deram em cima de mim. — Soluçou. — Eu juro que não fiz nada, só bebi tequila.

— Ah, você jura?! E por que está com cheiro de puta?

— Amor, elas tentavam me agarrar. — Se explicou, desesperado. — Eu juro, até tentaram pegar minha carteira, eu as afastei de mim. Jamais faria algo assim com você.

— É difícil de acreditar na sua palavra se você está desse jeito, Hayato.

A mulher o empurrou no sofá, estava tão mal que nem se moveu, apenas deixou que ela retirasse seus sapatos e suas roupas. Ela o enfiou debaixo do chuveiro gelado, mas ele nem ao menos reclamou, apenas pensava que não queria a perder, enquanto o vestia, ele a olhava com os olhos cheios de lágrimas.

— Eu não quero te perder, Estya. — Disse enquanto deixava lágrimas escorrerem pelo o seu rosto. — Esse mundo não vai fazer sentido se não estiver aqui.

— Você me perdeu, hoje. — O deitou no sofá. — Quero você fora daqui amanhã.

- Por favor, Estya. Eu juro, não fiz nada além de beber. - Implorou. 

- Não quero saber! - Rosnou. - Quero que saia daqui amanhã, e não volte mais. 

O silêncio tomou conta do cômodo enquanto ele suspirava olhando o teto girar. Depois daquele dia, os dois passaram meses separados, ele se enfiou no trabalho e não ousava se quer falar com a ex mulher pelo telefone, sabia que ela ainda estava muito magoada. Hayato se enfiou nos papéis e processos jurídicos por noites e dias, no começo, tentou provar de todas as maneiras possíveis de que não havia a traído, mas recebeu em troca um belo soco de direita do segundo filho de Celestya e seu amigo, Leonardo. Em um dia que estava estudando um dos casos que deveria ter uma audiência daqui alguns dias, recebeu uma ligação da raposa vermelha, quando viu seu nome subir na tela seu coração parou, esperava o pior naquele momento, xingamentos e gritos, ela dizendo o quanto o odiava. 

-Hay? 

- Oi, Estya. - Disse ansioso. 

- Pode vir à minha casa? - Perguntou. - Quero falar com você. 

- Claro, em dez minutos eu chego aí. - Se levantou, desligou o telefone. 

Nem ao menos trocou de roupa, estava com uma calça de moletom e uma camiseta, os cabelos perfeitamente penteados e a barba feita, mas estava tão nervoso para falar com ela que foi da forma que estava. Seu apartamento não era longe da casa da raposa, a diferença era que ela morava de frente para a praia e ele no meio da cidade, ao chegar pode perceber que as luzes estavam apagadas e havia apenas uma pessoa sentada na areia. Suspirou mais uma vez indo em direção a mulher que observava o mar turbulento chegar até seus pés, ela sempre amou admirar aquele lugar pois lhe trazia paz, ela podia pensar e jogar a dor para que a água salgada levasse para o lado profundo onde nenhum humano ousava ir. Ao notar a presença dele, o olhou sentar ao seu lado e imediatamente caiu no choro o abraçando. 

-Me desculpa, Hay. - Soluçou. - Me desculpa não ter acreditado em você. 

- Estya, está tudo bem. - Acariciou o braço da amada. - Eu também não acreditaria se fosse comigo. 

Ela chorava feito uma criança e soluçava sobre o colo do mais velho, passaram a noite ali, olhando a lua se pôr e o sol nascer, quando percebeu ela estava encolhida em seu colo dormindo no mais profundo sono sem se importar com as ondas que batiam em seus pés. Ele riu, sabia que agora poderia voltar para casa pois estava tudo bem. No mesmo dia, resolveram organizar a cerimônia de casamento dos dois de forma privada, apenas para sua família e amigos, aquele foi o dia mais feliz da vida dele, calculou cada detalhe para que tudo fosse perfeito para os dois, ele visitava as melhores floriculturas e avaliava qual seria a melhor, encomendou flores frescas daquele dia já que se casariam na primavera da França, ela ia atrás das decorações e as projetava da forma que queria. Se casaram no mesmo mês que haviam reatado, em frente a um grande salgueiro com um ritual de enlaço de almas, onde sempre estariam ligados pelo fio vermelho do destino, mesmo que em outras vidas. 


Meses depois, Celestya ficou doente. 


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