Do pequeno velajeiro ao mundo.
A primeira vez que eu vi o Universo, ele tinha som de água. Era sede. Cedo. Cedo, na verdade, mas tarde demais para sua realidade. Era um big-bang atrasado, inexplorado, incovicto, impiedoso, invadido, envergonhado, escruzo. As cores, na cegueira sem estrelas, são mais turbulentas do que ecassas, porque elas, são esperançosas e não reais. O meu primeiro Universo também foi turbulento, este tinha um nome atípico, curioso, e cujo os sentimentos apagaram os meus: pai.
Eu amava coisas escassas. Eu amava aquilo que me ensinavam sobre o amor.As coisas que são feitas de perto, não são feitas para serem vistas de longe.
Ainda assim, eu vi lampejos, e murmúrios.
E lágrimas.
E sobras.
Eu achei que as grandes estrelas eram pequenas, e me órbitavam.
Até que eu passei as enxergar mais de perto. E quando se vê de perto, ainda assim, sobra.
Pois quem as vê? Elas estão menores que os adultos. Tão pequenas, pouco contrastantes e difíceis.
E se escondem, debaixo de sua imaginação.
As crianças não vêem, nem ninguém pode as achar. Nem seus complexos sentimentos devastos, nem suas almas arrastadas. Não há poesia que encontre o coração de uma criança, e nem há curandeiro que interprete o lágrima de uma criança.
Não há quem sinta o que uma criança sentiu, se por sua vez, não tivesse sido uma vez, uma criança.
Nesse exato momento me deparo com uma figura. Esguia, alta, e sombria. Suas mãos delicadas, mas pontudas, e seus olhos levemente arroxeados com um resquício de esperança através de devaneios. Era pequena demais para caber o que havia dentro dela. Uma história, cheia de formas, quadrados, e espirais. Cheia de parágrafo rabiscados e de dias seguintes, cheia de versos não lidos e cheias de alguma coisa em mim. Talvez seja eu, a história, e o quadro.
E o medo, o medo sempre me acompanhou de alguma forma. Até que, eu decidi não encara-lo. Eu odeio fotos, principalmente as mais antigas porque deixam um rastro sombrio daquilo que não sou mais.
Ainda assim, aquela foto eu deixei, escancarada para quem quisesse ver.
Sejam os ratos, as bancadas, ou os livros.
Fosse eu, ou minha imagem externa. Um pequeno quadro para afiadas e longas memórias.
É que os ratos não deixam rastros.
Hoje, eu vi mais uma vez, o céu nublado de livros.
Uma envergadura de cada vez, primeiro as poesias, depois as ventanias, e abaixo os romances. Ao lado, os suspenses, que casam muito bem com os dramas. Casa qual, se mistura muito bem, na há livro puro sem se corromper. Isso é um clássico.
As sombras da biblioteca eram espessas, e se curvavam em direção ao requinte de luz francesa, era fraca. E reluzia apenas a alguns centímetros, de modo que as velas sobrepostas sobre a mesa eram o único lugar mais fundo de luz. Os mosquitos, pelo calor veranesco, desorientados procuravam o ponto em que enxergassem. No meu local de trabalho obrigado, não era tão escasso, mas frio e solitário.
Em meio a pequena quentura da vela e um rastro de luminescência aromática, me senti vazio. O barulho dos ratos que rastejavam sem rumo na escuridão era proeminente.
De modo que essa praga, quando alastrada, era perigosa e traiçoeira ao papel, só poderia ser achada no clarão.
Então faziam a festa, de bisbilhotar e averiguar quais livros mais valiosos queriam para roer seus dentes. E assim, iam e vinham, e passavam pelos meus pés.
Era cruel, de fato, saber que os ratos preferiam livros mais do que os homens.
Ainda assim, eu tentava os afastar. Por que, com isso, conseguiria paz.
E livros intactos.
Os ratos sempre achavam os livros.
Nos lugares mais impróprios, atormentes, e dolorosos, as pequenas pragas estão lá.
Eles sentem o faro de sobras e restos, eles conseguem enxergar o que ninguém quer.
E como são pequenos é isso que sobra para eles.
"Tim, quando estiver perto do outro dia, e ainda for madrugada, não esqueça de dormir, mas ainda assim, tem zelo, e desligue as luzes."
"Mãe, mas se eu apagar as luzes, não restará mais nada."
"Não é necessário lâmpadas quando se tem as estrelas, ou quando se fecha os olhos."
Eu estava dolorido daquela escuridão, precisava de oxigênio, e de ver o céu noturno, onde as estrelas deixam alguma luz. Era minha responsabilidade como filho de uma grande família proprietária de bibliotecas (responsabilidade alguma, te digo, pois não tinha nenhum fervor e vontade em relação a isso) de modo que, enquanto meu pai se escondia e minha mãe exigia, sobrava seu filho e livros. Por isso que os odiava, não pela sua essência, mas pela sua hipocrisia.
Contudo, esclareci isso quando disse que ficaria, era de menor, e não pretendia viver muito longe dali. Somente, quando mais velho, então tomaria guarda.
É um desperdício de livros para algo tão imenso e confortante.
Levei o masso de cigarro nas mãos de sobre a bancada de madeira, e tentei me locomover sobre a escuridão. Estava acostumado com a imensidão desde que nasci. Então, de a a z, tentei encontrar refúgio para a porta e sai.
Nesses meus anos de delírio, ninguém era louco o suficiente de sair a uma biblioteca.
Os humanos estão mais acostumados com a vida mundana.
E em um estalar de velas, e luzes, e sons, e cores. Como se fosse um mundo diferente dentro de outro.
Vi as estrelas que refletiam mais que as velas, e as lâmpadas.
Vi o Universo, como da primeira vez.
E me enjoei, pois estava acostumado com o nublado das estantes, e escuridão que foi rastro da luz roubada pelo Universo.
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O Rio
FantasíaQue ambiente é propício para o canto das sirenas? Aqueles na qual deixam seus sonhos como dilemas passados, tem de seguir o curso da correnteza. Todo sonhador, um dia chora. Há quem relate, que o Rio Onde Tudo Vai, porém nunca retorna de onde veio...