6

35 8 24
                                    


Quando meu pai partiu, minha mãe ficou muito deprimida, a ponto de não querer fazer nada. Ela sempre foi muito ativa, adorava tricotar e pintar. Em casa, nunca passávamos frio, pois tínhamos meias e cachecóis feitos sob medida. Decidi que seria uma boa ideia visitar o prego para procurar materiais de tricô e pintura, e talvez descobrir mais sobre aquele garoto.

Essa seria a oportunidade perfeita, já que minha mãe estava aos poucos se recuperando da partida repentina de meu pai. Ela já realizava algumas tarefas em casa. Apesar de hesitar um pouco em sair, compreendia completamente seus receios após tudo pelo que passou.

Lembro-me de momentos em que ela dedicava toda sua atenção a mim, especialmente quando eu estava doente. Havia vezes em que até cantava uma canção chamada "O Antigo Passado". Quando perguntei onde ela havia aprendido essa música, ela mencionou uma garota que usava um vestido colorido. A voz de Charlotte ao cantar essa canção trazia um conforto imenso, como se todas as preocupações desaparecessem. A menção da garota com o vestido colorido evocou uma sensação familiar.

Após tudo que ela fez por mim, agora era minha vez de retribuir.

Ao abrir a porta, o cheiro de terra molhada me envolveu. A caminho do prego, observei várias pessoas se movimentando, algumas tentando salvar pertences de suas casas inundadas. Mesmo pertencendo ao Distrito 7, considerado de classe média, as famílias ali também sofriam com as perdas após a chuva, o que servia como um lembrete da fragilidade da vida, mesmo para aqueles em posições relativamente privilegiadas.

Segui meu caminho, mas percebi que o prego não estava tão movimentado quanto o habitual. Talvez fosse por causa da chuva. O pequeno número de barracas me fez repensar se foi uma boa ideia sair de casa. Quando cheguei à barraca de Marcy, notei que alguém estava lá, mas não era ela.

── O que aconteceu com a Marcy? ── perguntei ao rapaz ao lado da barraca.

── Ela acordou meio fraca hoje. Me ofereci para ficar na barraca, mas ela disse que não precisava, e como sou cabeça dura, vim mesmo assim.

── Espero que ela fique bem ── respondi.

── Ela vai ficar. Não desiste fácil.

Dessa vez, consegui reparar melhor nele. Percebi que era alto e forte. Usava uma calça manchada de terra e uma blusa de manga longa, mas ainda não sabia quem ele era.

── Então você é o...? ── comecei a perguntar.

── Desculpe por não me apresentar, sou Benjamin, filho adotivo da Marcy.

── Filho adotivo?

── Bem, meio que sou órfão. Um dia, eu estava vagando pelas vielas do 7 e me deparei com a Marcy. Ela me levou até sua casa, onde me deu alimento e me deixou descansar. Aos poucos, fui fazendo parte do dia a dia dela. Ela foi a primeira pessoa a me estender a mão aqui no 7. Sou muito grato a ela.

──  Marcy também me ajudou. Ela foi a única que quis fazer negócio aqui no prego comigo. Eu esqueci de me apresentar, me chamo Rose.

──  Ela fala bastante de você.

──  Eu preciso começar a vir aqui com mais frequência para poder conversar com ela. Quero saber mais sobre aquelas folhas e chás.

──  Se quiser, posso compartilhar com você o que aprendi com ela.

──  Sério, isso seria incrível. Mas agora podemos ir aos negócios. Hoje vou precisar de algumas tintas para pintura e também de materiais para tricô.

──  Tão nova e já tricota? As tintas eu vou ficar te devendo, mas sobre material para fazer tricô, acho que tenho algo aqui.

Isso me fez ficar vermelha, não estava esperando por isso. Depois de alguns minutos procurando, achei o que procurava.

──  Tenho alguns carretéis de linhas e também encontrei algumas agulhas.

──   Vou ficar com um carretel. Essas agulhas são para costura e não para tricô.

──  Qual a diferença?

──  Geralmente, as agulhas para tricô são maiores e não costumam ter esse buraco para passar a linha.

──  Vivendo e aprendendo.

──  O carretel vai ficar quanto?

──  Fica de presente.

──  Eu não posso aceitar, fora que a Marcy vai te matar.

── Fica tranquila, me viro bem com ela.

── Muito obrigada. Talvez eu venha aqui depois e te traga algo que tricotei.

Consegui escutar alguns risos vindos dele e valeu a pena ter vindo hoje ao prego. Percebi que nesse meio tempo começou a garoar, decidi que seria melhor voltar para casa. Quando estava saindo do prego, escutei alguém chamando. Achei que seria Benjamin, mas não era.

Depois de Rose finalizar suas compras na barraca de Marcy, ela sentiu que estava sendo observada. Um homem estava encostado em uma das paredes de sustentação do prego, vestindo alguns trapos. Ele parecia estudar os arredores com um olhar penetrante.

──  Você precisa tomar cuidado com o pessoal daquela barraca ── alertou o rapaz ao meu lado.

──  Mas por quê? ── questionei.

── Há tempos que o 7 não tem uma chuva como essa e sabe o que é mais estranho? Um dia antes da chuva, a senhora da barraca nem postou o pé aqui e hoje também ela nem deu as caras.

Eu estava sentindo que tinha algo errado. Quando ele disse essas últimas palavras, consegui sentir o cheiro. Ele tinha bebido muito. Achei que o melhor que poderia fazer era encerrar a conversa e ir embora, mas quando eu estava indo, ele gritou: "DEPOIS NÃO DIGA QUE EU NÃO AVISEI". Finjo que não é comigo e continuo andando.

Quando estava a poucos metros de casa, vi que tinha um pacificador parado na porta. Ele parecia estar carregando algo. Eu queria ir lá e perguntar, mas estava com receio. Fiquei escondida até que ele fosse embora. Alguns minutos se passaram e vi que ele seguiu em direção à praça. Essa era minha deixa.

Na porta de casa, vi que era uma caixa consideravelmente grande. Em cima tinha a logo de Panem. Aquela logo me paralisou. Naquele momento, todos os meus pensamentos eram sobre os Jogos.

Levei a caixa para dentro de casa. Delicadamente, coloquei-a na mesa da cozinha. Tinha até me esquecido das coisas que comprei no prego. Nesse momento, minha maior preocupação era essa caixa. Com cuidado, abri-a, mas o conteúdo não era o que eu esperava. Dentro havia apenas mantimentos.

Por que um pacificador deixaria isso na nossa porta?

No fundo, eu sabia a resposta: ele nunca se esqueceu de nós.

Beyond the games : A Jornada no Mundo dos Jogos VorazesOnde histórias criam vida. Descubra agora