As ruas do bairro vermelho não passam de becos empilhados de gente, lixo, andróides caindo aos pedaços e hologramas baratos e duvidosos. Um lugar labiríntico que pode facilmente confundir a mente dos novatos. É necessário ter um interno censo de orientação para lá do normal para se mover entre aquelas construções vermelhas. O perigo vem de todos os lugares e de todos. Drogados são os mais desesperados por algum crédito ou qualquer coisa que tenha algum valor para poderem vender e comprar o pó.
Com o holograma realista que me cobria processado pela Haida conferia-me certa segurança, pois eu não passava de um desgraçado de um drogado. Daquela láia. Podia mover-me com certa liberdade e, mais uma vez, com a ajuda de Haida, não me perdia, costurando pelos becos e ruelas sob as sombras de monstros altíssimos de aparência assustadora como se fossem desmoronar a qualquer momento. Eram construções antigas que com o tempo os novos moradores foram aumentando os andares com os materiais que tinham à disposição.
O ponto de encontro foi uma fábrica inativa na parte mais afastada da Cúpula, bem para lá do Bairro Vermelho. Afastado das residências. Provavelmente foi uma refinaria como a maioria das fábricas naquela área. O lugar se tornou agora um refúgio de consumidores de pó de Continum, aqueles que ficaram completamente sem créditos e dos inválidos, sem possibilidades de continuarem a pagar por um teto onde dormir, por uma prótese e incapazes de continuarem a trabalhar nas fábricas, embora fosse por trabalharem nas fábricas que ficaram inválidas. Aquele, e muitos outros lugares idênticos, eram chamados de Lixão.
Espero que você perceba uma coisa, aquele pessoal é do pior tipo. Piores que as pessoas que infestam os becos do Bairro Vermelho. São tão ao fundo do poço e desesperadas que são capazes de qualquer coisa para se manterem vivas e satisfazerem seus vícios. Entre eles há assassinos, ladrões, vigaristas e todo tipo de gente à margem da alei. Embora não dirigisse o olhar a ninguém em especial, eu senti os olhares ávidos deles colados em mim. Mas entre eles, notei famílias inteiras, idosos e crianças, todos abaixo da linha de sobrevivência.
– Oh merdinha, você pode colocar esse holo-disfarce – disse um sujeito magro com um moicano azul e os lados rapados da cabeça tatuados – bem, ele tinha dois terços do rosto tatuado e cheio de piercings, – e um dos olhos era um olho postiço com problemas que sempre virava para a direção errada – mas eu posso sentir o cheiro do Sangue Azul correndo nas suas veias. Há quê devemos essa alta visita, Senhor – o sujeito curvou o corpo em uma vênia zombeteira.
– Claud, se você não quer ter os seus milhões espalhados neste chão emporcalhado longe-te deste homem agora.
Adark mancou até eles, a proteica perna esquerda mais curta que a boa – pois é, o povo do Bairro Vermelho era composto por 90% de deficiências físicas. O rosto e a cabeça desfigurados pelo vapor quente de um Senhor-do-Inferno danificado no qual ele trabalhou em um depósito natural de Continum . Não é incomum ver Mortos-Vivos sem alguma sequela do seu trabalho, isto é, os que sobreviveram. Um sujeito grande com a mandíbula e o lado direito do rosto refulgindo com um brilho metálico o guia de perto.
Haida, procure nossos arquivos de Registro de Identidades quem é ele. Ordenei ao meu Ego, mas não recebi uma resposta. Haida, faça o que eu ordenei. Haida. Ela continua em silêncio. Pouco a pouco se instalou no meu peito a maldita de uma sensação ruim. Pensei que fosse um blackaout na Rede ou que de alguma forma fui cortado dela.
– E tu, não há previsão de pedir ajuda ao Ego. Foi instalado um Barrador . Nem a tua julgada poderá ser ativada. Venha, eu sou um homem muito ocupado, sabes muito bem.
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Contos da Era do Sol
FantascienzaUma colectânea de relatos e testemunhos contados na primeira pessoa, colhidos por Paedron Molok, anteriores a Ruptura daquela que ficou conhecida como a era de grandes avanços científicos, tecnológicos e rápida evolução humana.