Uma porta permanecera escondida dos meus olhos pela cisterna. Quando a contornei, a procura justamente de uma rota de fuga, ela apareceu bem a minha frente. Ela dava para uma passarela dois andares elevada do solo. Em baixo, enormes piscinas de ácido borbulhavam e expeliam fumaça que irritavam os olhos e a garganta. Portanto, não vi o vulto que se aproximou de mim. Sendo sincero, não acho que mesmo que estivesse preparado eu notaria ela. Foi tão rápida que numa hora lá estava eu, em pé tossindo, e no outro estava deitado, dolorido e em busca de ar. Acima de mim, uma mulher com traços europeus me encarava, o rosto, a única parte de seu corpo que podia se passar de humano. O restante do seu corpo era negro, feito de carboniti, debaixo do peito brilhando uma luz roxa.
Ela não tinha expressão nenhuma, uma mascara branca, como eram as da sua laia. Pegou-me pelo colarinho e elevou-me como se eu fosse uma boneca de trapos e lançou-me contra a guarda de ferro, a única coisa que me impedia de cair numa das grandes piscinas de ácido. Não fossem os meus instintos treinados, ela me teria empurrado com o pé e teria despencado para baixo. Rolei para o lado e cai no piso duro e aquecido de metal esburacado, a Julgadora a mim confiada por Adark, rolou para longe do meu alcance. O metal da guarda ficara amolgado com o chute dela. Ela virou a cabeça para mim, seus olhos mortos me fitando, e deu três rápidos passos em minha direcção, enquanto me esticava para pegar a Julgadora. Ela foi mais rápida. Ridiculamente rápida, devo acrescentar. Nunca antes tinha visto uma Caçadora em acção... é aterrorizante. São superiores a qualquer humano normal. Engana-se quem pensa que Inquisidor podem fazê-las frente.
A mão pequena, e de aparência delicada dela, fechou-se sobre a minha, apertando com tanta força que, vergonhosamente, eu dei um grito agudo de menininha. Meu dedo indicador ficara inválido. Apesar das circunstâncias, foi impossível não notar quão meticulosa ela era. Não pretendia acabar comigo de imediato, ela levar-me-ia cativo para os Inquisidores. Agora eu posso pensar nas milhares de formas possíveis de matar-me em um piscar de olhos (Suspiro). Para mim o mais importante é que ainda estou vivo. No entanto, nesse dia fui envergonhado mais uma vez quando os dois idiotas correram com as lâminas-duras dos dois Punidores mortos, em ataque. É escusado dizer que foi inútil, que eles morreram logo em seguida, mas a bravata deles salvou a minha vida e deu-me a oportunidade de alcançar a Julgadora.
No entanto, como eu disse antes, o meu dedo indicador estava fora do jogo. Feito ao bife. Então tive que passar a Julgadora para a mão esquerda e, um pouco desajeitado, apertei o gatilho. A Caçadora virou-se para mim, um pingo de surpresa marejando nos seus olhos vidrados. Tentou um passo e caiu, lenta e desajeitada, mas ainda activa e vindo contra mim. Disparei uma segunda vez e a coisa ainda vinha. Levantou-se, e esticou o braço.
– Porra, Adark. Essa porcaria não funciona – comecei a perder a fé pelo sujeito. – Maldito momento ruim para suas invenções darem pane, não?
Restava-me apenas um disparo e aquela não era a Caçadora que eu precisava capturar. Mas, se eu não disparasse, morreria em poucos momentos. Poupou-me de queimar todos os meus neurónios o facto de a Caçadora parar de se mover de repente. Ela não estava morta, nem sequer estava desactivada. Provavelmente ainda podia enxergar-me. Mas já não vinha em minha direcção e em direcção nenhuma.
Então, levantei-me do maldito chão quente, voltei a já quase inútil Julgadora no coldre e tentei voltar o dedo indicador ao lugar, ignorando a dor. Sozinhos naquele lugar, os únicos que pareciam em paz eram os dois idiotas mortos. Que sorte a deles, não? Voltei a minha atenção a Caçadora. É um desperdício danificar máquinas tão belas, ainda mais sabendo qual é a origem delas – algo que eu tenho a certeza que muitos de voz sequer conhece, eu também desconhecia na altura – porém, eu não queria correr o risco de tê-la novamente atrás de mim. Então empurrei-a até a guarda de metal e levantei-a para passa-la por cima da guarda. A Caçadora caiu direito no interior de uma das Piscinas de ácido.
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Contos da Era do Sol
Fiksi IlmiahUma colectânea de relatos e testemunhos contados na primeira pessoa, colhidos por Paedron Molok, anteriores a Ruptura daquela que ficou conhecida como a era de grandes avanços científicos, tecnológicos e rápida evolução humana.