Encontro

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- Esse é o carro da tia Deb! - Bruno ergue os olhos do Nintendo Switch, contemplando, fascinado, o Toyota Prius preto que ultrapassava o carro em que estavam. - Não é fantástico? Chega a atingir duzentos quilômetros por hora!

- Verdade? - Lucy respondeu secamente. - Pena que o limite de velocidade seja de apenas cem quilômetros.

- Oh! Mas a tia Deb nunca dirige tão depressa. A não ser quando está na estrada fora da cidade.

- Tenho certeza que sim. Lembre-me de nunca aceitar um convite para passear com ela.

Bruno a encarou com desdém.

- Você não ficaria com medo, não é? - Indagou com a petulância típica de garotos de onze anos.

- Sim, eu ficaria - ela confessou sem hesitar. - Gosto muito da minha própria pele para arrisca-la sem motivo.

Bruno caçoou e riu, voltando a atenção para Yoshi no Mario Kart, concentrando-se em recuperar posição que perdeu ao ver o carro da tia.

Bem, Lucy pensou, pelo menos fora avisada de que Debora estaria lá. Na verdade, deveria ter adivinhado. Isso, claro, se tivesse pensado nela. Mas, com o passar dos anos, desenvolvera o hábito de não pensar mais naquela mulher. Notou que apertava o volante com força excessiva e fez um esforço para relaxar. Poderia aguentar mais um encontro com Debora Souto-Maior

O telefonema da cunhada, no começo da manhã a avisara de que Leda, a esposa da qual se separara quatro anos antes, morrera num acidente. Sim, ela estava triste. Triste por pensar que tudo poderia ter sido diferente se ela tivesse amadurecido a tempo. Mas não chegara a completar trinta e seis anos.

Olhou para Bruno, atento ao brinquedo. Sabia que iria precisar de muita força de vontade para ajudá-lo. Ele está chegando a uma idade em que as duas mães se tornaram muito mais do que importante, E, por maiores que fossem as restrições que fazia a Leda, não podia negar que ela tentara ser uma boa mãe. Uma vez por mês, regularmente, levava o filho para passar um fim de semana em Lar Souto-Maior.

Lar Souto-Maior... a bela e antiga mansão situada em Petrópolis agora pertencia a Bruno. Um sorriso seco se curvou nos lábios de Lucy. Leda sempre vira a residência, que pertencia a família há gerações, como um transtorno. Ela, ao contrário, achava o lugar lindo. Mas não dispunha de recurso para mantê-lo. É, seria uma pena ter que vendê-lo.

As estradas tranquilas de Petrópolis, muito familiares, fizeram-na lembrar o passado. Não voltava para o Lar Souto-Maior desde a separação. Fora uma decisão difícil, deixar a casa com uma criança para criar e nenhum parente a quem recorrer. Mas o casamento, já complicado, acabou quando Lucy descobriu que a esposa a traia com a melhor amiga.

Leda conhecia Melissa há muito tempo. Na verdade, fora a moça quem as apresentara. Com o passar do tempo, porém, Lucy percebeu que Leda, ao casar com ela, desejava manter uma relação com alguém que tivesse os pés no chão. Ela e Leda eram muito parecidas; ambas viviam perdidas em sonhos e não gostavam de assumir responsabilidades.

Lucy deveria ter imaginado que ela não estava preparada para o casamento. Sua única desculpa era que, na época, era jovem demais e Leda parecia oferecer uma segurança da qual sentia falta desde a morte dos pais. Lucy precisava de uma família, de um relacionamento afetuoso que a fizesse feliz. Não conseguiu.

Na verdade, porém, nem tudo fora desastroso. Haviam vivido bons momentos, especialmente no começo. E tinham Bruno em comum. Ela sorriu mais uma vez. Considerando tudo, não podia queixar-se muito de seu casamento.

O sinal fechou, obrigando-a a parar o carro. Lucy ajeitou dois cachos atrás da orelha. Usava o cabelo curto desde que se separara. Cortá-lo, foi fora uma das primeiras manifestações de independência.

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