Lembranças

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- O que você quer discutir, Debora? – Lucy perguntou, aliviada por notar que sua voz soava controlada.

Com um gesto, a outra mulher indicou uma pilha de contas e documentos sobre a mesa e no chão, guardados em envelopes pardos e caixas de papelão.

- Isto. Tentei analisar os papeis de Leda e separar o que precisa de atenção imediata, mas está tudo uma confusão.

- Tenho certeza de que não há nada que não possa esperar mais alguns dias. Mas se preocupa com isso? Esses documentos não devem passar pela avaliação dos executores do testamento?

- Na verdade eu sou uma das executoras – Debora disse com firmeza. – Você é a outra. Também fomos nomeadas as administradoras do espolio. Tudo foi deixado para Bruno, naturalmente, descontada uma pequena pensão anual para você e alguns presentes para os empregados.

- Oh!

Lucy sentiu a garganta apertar-se, e seus olhos encheram- se de lágrimas. Era comovente pensar que Leda se preocupara com isso antes de morrer. Também fora um gesto típico da generosidade dela a preocupação com os funcionários da casa. Mas porque motivo ela a teria nomeado, junto com Debora como executoras do testamento?

Uma empregada entrou, carregando a bandeja com o café. Lucy aproveitou a pausa para se recompor. Entendia a indicação de Debora. Leda sempre admirara a prima mais velha e tinha extrema confiança nela, mas também sabia que Lucy queria manter-se afastada dos negócios da família Souto-maior.

Debora sentou-se em frente a ela.

- Como Bruninho reagiu?

- Oh, ele parece bem, você o viu. Bruno é jovem demais para avaliar a importância do que aconteceu. Sabe que não vai mais ver a outra mãe, mas acho que está se negando a aceitar isso.

- Foi o que aconteceu comigo.

– Com todos nós – Lucy comentou tristemente.

A risada fria de Valentina a surpreendeu.

- Ora vamos lá – comentou com um toque de cinismo – Não comece a bancar a viúva de coração partido. Isso lhe poupou o divórcio.

- O que disse? – Os olhos dela faiscaram de indignação. – Para sua informação, eu gostava muito de Leda, e se eu quisesse o divórcio, poderia tê-lo obtido quatro anos atrás.

- Não sem o consentimento de Leda. – Você a abandonou lembra? Diante da lei, perderia os direitos sobre o garoto se tentasse legalizar a separação.

- Você nunca pensou que eu talvez tivesse um bom motivo para fazer o que fiz? – Perguntou num tom frio e polido.

Os olhos verdes de Debora permaneceram implacáveis.

- Quando se casou, você já conhecia o caráter de Leda. Os deslizes dela não a preocupavam. Estava interessada na vida que ela lhe daria. Na chance de pertencer à sociedade, frequentar suas festas. – Deu um sorriso cínico. – Mas um casal deve estar junto também nos piores momentos. É imperdoável desistir ao primeiro vislumbre de que tudo não é um mar de rosas.

Lucy sentiu seu rosto enrubescer. Ela não sabia! Leda nunca lhe contara sobre Melissa. Apesar do noivado ter durado menos de cinco meses, Leda evitara ferir a prima contando que tivera um caso com sua ex noiva.

Quanto a Lucy, não tinha o direito de revelar nada. Além disso, Debora provavelmente não acreditaria, e com certeza a acusaria de tentar mudar o tema da discussão. Mas pensando bem, que importância tinha o juízo que Debora fazia dela?

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