A Proposta

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 Lucy afastou-se da janela. A lembrança daquele beijo ainda a perturbava, mesmo depois de tantos anos. Recordou que, enquanto corria, chegara a conclusão de que fora um erro casar-se com Leda. Mas jogara-se nos braços dela logo depois de entrar no salão, sabendo que nunca seria capaz de contar-lhe a verdade.

Mas tentara fazê-la feliz. Talvez se não tivessem planejado filhos tão depressa...

Muito tempo se passou antes que votasse a encontrar Debora. Terminado o noivado com Melissa, ela fora para os Estados Unidos, onde permanecera um ano. Mesmo depois do retorno tinham se visto apenas em reuniões e família, ocasiões nas quais ela fizera questão de manter-se à distância.

Ás vezes, Leda parecia desconfiar de algo, o que a forçava a disfarçar. Talvez tenha sido esse o motivo pelo qual as coisas haviam começado tão mal. Mas não era só isso. Havia a incapacidade de Leda de encarar a realidade e as exigências que uma criança pequena representava.

A gota d'agua acontecera quando Lucy encontrara um dos brincos de Melissa no banco de trás do automóvel. Leda admitira estar mantendo um caso com ela desde a época do casamento. Então, à dor da traição, somara-se o sofrimento pela perda da única amiga.

E agora, anos depois, ela teria que enfrentar esses sentimentos mal resolvidos, adormecidos por tanto tempo. O encontro com Debora deixara isso claro. A mulher ainda produzia nela um efeito devastador.

O som de vozes que vinha do hall indicou que a irmã de Leda retornara. Bem, pensou Lucy, teria que enfrentá-la mais cedo ou mais tarde. Respirou fundo, cruzou o quarto e abriu a porta. Dessa vez, faria tudo da maneira certa.

Julia, poucos anos mais velha do que Lucy, estava dando instruções para Srta. Sara com voz aguda e penetrante. Lucy parou aos pés da escadaria, ostentando um ar de fria dignidade que os anos de solidão tinham lhe proporcionado.

- Boa tarde Julia – saudou, feliz por manter a voz sob controle.

- Lucy! Vejo que conseguiu encontrar tempo para vir – comentou com fingida cordialidade. – Bruninho veio com você?

- Sim, está na cozinha brincando com seu gatinho. – Foi apenas nesse momento que reconheceu as duas crianças que tinham chegado com a cunhada. – Meu Deus, vocês são Beto e Cristina, não é? Como estão crescidos!

- Faz muito tempo que você não os vê – Julia lembrou com um toque de aspereza. – Levem suas coisas para o quarto crianças – ordenou rispidamente – e por favor, não façam bagunça.

Beto, o mais velho, devia estar com doze anos. Encarou a mãe com insolência e deu de ombros, como se considerasse suas ordens inúteis. Cristina por sua vez, uma criança agitada e gorducha, começou a puxar a barra da saia da mãe.

- Ora, pelo amor de Deus – Julia exclamou impaciente, empurrando a filha. – Não seja tão pegajosa. – Mexeu na bolsa e retirou uma barra de chocolate. – Pegue isso e vá brincar.

A menina agarrou o chocolate e desapareceu sem agradecer. Lucy ficou espantada com aquele comportamento. Julia nunca tivera tempo para os filhos, sempre os deixara nas mãos de babás.

- Onde está Debora?

- Na biblioteca, acho.

- Ah, bom... preciso falar com ela. Mudando de assunto, seu quarto lhe agradou?

- Sim, obrigada – Lucy respondeu com cautela. Julia sorriu com seu habitual ar de superioridade.

- Se precisar de alguma coisa, basta chamar a Sara. Agora, se me der licença, tenho importantes assuntos a discutir com minha prima.

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