Parecia ser uma predestinação que Lauren tivesse a percepção da beleza daquele país e de sua cultura somente daquele momento em diante, seus olhos se perderam na gentil Amalah explicando com fervor e amores suas obras para os visitantes da galeria. A figura impositiva de Karila Aistarabaw observava em silêncio sentada em uma das mesinhas dispostas pertinho da entrada, disposta ali com um arranjo delicado de flores, para que os turistas interessados na comida da rua tivesse um lugar para se acomodarem e terem suas refeições com um pouco mais de conforto.
A princesa estava silenciosamente encantada, sua aproximação com aquilo que era real em seu país nunca foi algo que ela teve oportunidade de ter antes. Uma troca simples de conversas nas ruas, conhecer pessoas que sequer sabiam de sua existência... Sua rotina desde bebê sempre foi ditada por protocolos. Ir para o colégio sozinha, conversar sobre sua vida pessoal e íntima, falar sobre os pais e o que faziam, nada daquilo era permitido, sempre teve de estabelecer afastamentos muito impositivos sobre sua vida.
No raro momento em que em uma espécie sutil de rebelião tentou vivenciar sonhos como viagens para longe com amigas ou citar seu pequeno desejo de amar, seu pai rigidamente a repreendeu e houve uma intervenção que a fez mudar de colégio. Sanawhaa era o que impedia o marido de ser ainda mais rígido e fazê-la ainda mais distante, o anseio do rei era que sua filha fosse educada dentro de casa, sozinha.
Aquela ultra proteção não foi um aspecto positivo na vida de Karila, seu afastamento do que era real a impediu de construir vínculos e conhecer sensações as quais nunca pode vivenciar. Não pelo desejo próprio, porque ao entrar em uma rotina de colegial onde trocava poucas palavras com colegas que viviam uma vida de luxo não restrita era o que a fazia sentir no fundo uma pequena inveja. Principalmente dos rapazes, filhos dos militares do exército egípcio, a liberdade que tinham de ser o que queriam, e de ir ou falar o que bem quisessem era aterrorizantemente tentadora para ela.
E por mais que desejasse tanto coisas que nunca pode vivenciar, ela sabia que a imposição do pai sempre foi visando sua proteção acima de tudo, nunca foi definitiva em determinar sua culpa em nada. Ele deixava claro em suas palavras que nada o atingiria mais do que vê-la se machucar por causa do nome que carregava.
E agora, madura e depois de vivenciar tanto até ali, ela entendia muito bem o que ele sempre quis lhe dizer. Entendia seu terror, a extrema ansiedade em ser pivô de qualquer ataque visando apenas lhe atingir, colocando quem ousava amar ou ter alguma proximidade em completo risco.
Seus olhos castanhos sempre tão incisivos se desviaram de Amalah, voltando discretamente para a figura da estrangeira diante de si, estava de braços cruzados e de feição serena, olhava para sua volta parecendo tão encantada e seguramente tão distante que Karila entendia em silêncio que o erro em toda a ação e o exagero eram inevitáveis, porém bastante equivocados.
— Quero agradecer o que fez por mim. — Sua voz estava mais baixa que o normal, o ato não era rotineiro, sentia-se estranha, mas sabia que devia fazer aquilo.
Lauren puxou a cadeira metálica diante dela e sentou à mesa, estava ressentida com tudo que envolvia a mulher, havia uma estranha sensação de desconfiança absoluta.
— Não é lógico o que fez, eu não fiz nada que me colocasse na posição que me colocou, me restringindo de ter contato com quem amo, com meus familiares, me impediu de simplesmente ir a rua. É um absurdo! — Se aquela era a última oportunidade para dizer o que precisava, então iria aproveitar para desabafar como jamais havia feito antes. O comportamento de restrição e extrema truculência não era justificável.
— Entenda que você não agiu da maneira mais natural possível para que tivesse algum tipo de embasamento positivo sobre sua estadia aqui, a minha vida sempre foi repleta de propósitos muito particulares, me manter viva vai além do meu próprio desejo de viver, agradeço por me ajudar a sair do apartamento, honestamente não faria o mesmo em sua posição, não posso mudar e não mudaria o que fiz. — Karila era prática, não havia como ser minimamente racional naquela situação tendo tantas evidências esquisitas.

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Hidden (2024)
FanfictionKarila Aistarabaw I, a última detentora de um título real na história do Egito, enfrenta ameaças e vive uma vida de restrições, sua busca por vingança se torna sua obsessão incessante e diária em meio a uma república liderada por um presidente antag...