Uma entre todas

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   A jovem alegre gesticulava ao falar, entusiasmada com uma história sem pé nem cabeça a qual eu já havia me perdido a uns longos minutos, o mordomo ao meu lado olhava sério para a mulher e a meu ver ele também não sabia mais o contexto.  Ao olhar para o jardineiro ao meu lado, com um sorriso não-natural pude ver que ele não se distanciava muito do nosso purgatório.

   Puxei o ar em uma tentativa falha de recompor a paciência para pedir que ela deixasse de agir como se estivéssemos em uma conversa e não em testes seletivos mas a Sra. Evans, que se dispôs a ajudar com o tempo, se aproximou e gentilmente pediu que a mulher se retirasse pois já havia estado tempo em demasia na entrevista. A jovem tentou pedir mas tempo porque não terminara de contar a "emocionante" história de como havia ajudado a governante de uma casa em que trabalhou, contudo, a chefe das camareiras se manteve irredutível e conduziu-a para fora

   ㅡ Me perdoe, senhor! ㅡ a Sra. Evans retornou a sala que estavam fazendo as entrevistas com um bule de chá e xícaras em uma bandeja, retornou a falar enquanto posicionava-os na mesa que separava a candidata dos homens ㅡ Eu deveria ter me atentado ao que acontecia mas me distraí com a Sra. Wilson que veio perguntar-me se os senhores queriam chá. Achava que ninguém superava o Sr. Brown em monólogos mas estava errada!

   Acabei deixando escapar um riso fraco, tentando não chamar atenção, a risada proveniente do jardineiro demonstrou que não se ofendera com as palavras da mulher que não era tão velha quanto parecia. A mulher com pouco mais de trinta aparentava ter quarenta anos devido as rugas de preocupação que traziam uma textura atribuída à mais velhos ao rosto bonito, sabia que era pelas longas viagens que seu marido fazia no navio mercante em que trabalhava, ele havia viajado novamente e fiquei contente por ver que ela estava se distraindo com piadas e com a seleção em cima da hora.

   ㅡ Senhores, a candidata Anna Smith entrará agora. ㅡ a mulher já retornara ao seu posto nas portas abertas da sala para receber a próxima jovem. O olhar engessado ao entrar fez-me temer que ela seria dura em demasia com aqueles empregados fieis e gentis, a conversa que tivemos fez-me ter certeza. 

   Ela contava nos uma história de como ela havia "dado um jeito" no filho de um senhor quando foi babá da família. Segundo ela, o menino de dez anos tinha um comportamento "impróprio" para um garoto porque foi pego brincando com a irmã mais nova enquanto tentava arrumar seu cabelo e nos dois anos que trabalhou lá, ele aprendeu a "se portar de verdade".

   Era só um menino que zelava por sua irmã mais nova, qual era o problema nisso? Ele não deveria se casar no futuro e cuidar de sua esposa? Neste mesmo futuro, cuidar de suas filhas para que elas não aceitem um homem qualquer? O que havia de errado em um menino próximo de sua irmã, o que havia de errado com o levemente fora da curva? Ele não agrediu nenhuma padrão ou dogma, muito menos desrespeitou alguém!

   Eu sabia que era esperado muito de filhos de homens importantes, porém não havia sentido retirar a infância e a inocência de alguém tão pequeno. Sabia que a Vida era cruel e havia feito isso comigo com menos idade mas não precisava fazer isso com todas as crianças que encontrava, por isso odiava tanto essa força destruidora que nos prendia todos os dias, por isso odiou a mulher sentada com ar presunçoso a sua frente.

   Eram pessoas assim que tornavam tudo uma desgraça como as que passei, queria fazer algo a respeito mas a Vida não permite-nos fazer algo para mudar esta realidade, nunca poderia adentrar todas as casas e impedir-La. Como sempre, a Vida era cruel e nos fazia sofrer com os nossos sofrimentos e com os dos outros.

   Agradeci mentalmente a chefe das camareiras quando a mesma percebeu suas emoções conflitantes e pediu que a "odiosa Anne" saísse alegando ter acabado o tempo, certamente iria recompensá-la com uma semana de descanso a mais quando seu marido retornasse e um aumento no salário depois. Talvez não só a ela, afinal os outros empregados também merecem uma semana de descanso alternadamente pois muito me ajudaram nos últimos dias.

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