Caminhos perdidos

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   Apesar das minhas certezas acerca da nova governanta, era obrigado a receber as "já-não-possíveis" futuras governantas por ter definido uma data com a promessa de receber as melhores e porque, apesar da entrevista, não tinha a plena certeza das capacidades de Alice e as jovens habilidosas poderiam ser contratadas no futuro. Por isso, preparei-me desde já para recebê-las, agradecendo aos Céus que eram poucas comparadas com as jovens dos últimos dias.

   O Sol do fim da tarde pintava o céu em tons de laranja e amarelo e o azul da noite ameaçava dominar o firmamento com seus tons escuros, surgindo na região do horizonte oposta ao astro. Acelerei o passo na direção da casa do jardineiro, ele havia me chamado para um jantar em sua casa em comemoração a chegada de sua filha.

   A cabana onde a família Brown morava não possuía grandes adornos, era simples mas cheia de vida com pequenas estátuas espalhadas pelo belo, porém pequeno, jardim que rodeava a casa. A iluminação vinda de dentro trazia um ar aconchegante de uma família feliz e o cheio de comida me levavam aos lugares mais profundos de minha mente, onde uma vaga lembrança de um jantar de aniversário feliz se instalou. A memória era de uma comemoração por mais um ano de vida, estava triste por novamente passar sem meu pai quando minha melhor amiga na época e vizinha apareceu com sua família. Eles ajudaram minha mãe pouco tempo antes dela morrer e cuidaram de mim como podiam, visto que não eram ricos, até que eu pudesse me virar sozinho.

   Eles foram mais uma das minhas felicidades que a Vida tirou: o Sr. White foi obrigado a se mudar com a família por uma oferta de emprego que não podia recusar, a Sra. White estava doente e grávida, precisava de cuidados urgentes e caros e ele fez o melhor para sua família. Não guardo e jamais guardaria mágoas de um homem apaixonado por sua esposa e dedicado a família, ele era tudo o que meu pai não foi. Ignorando as memórias que insistem em voltar a cabeça, bati à porta e esperei que fosse aberta.

   Vozes animadas foram ouvidas de forma abafada, logo uma senhora que não aparentava ter muito mais que trinta e cinco anos abriu o umbral de entrada e me recebeu com um sorriso agradável e acolhedor, ela deveria ser a esposa do Sr. Brown.

   ㅡ Deves ser o Sr. Cohegan, estou certa? ㅡ assenti com a cabeça, evitando grandes formalidades ㅡ Ótimo, estávamos esperando que chegasse para comermos. Seja muito bem vindo e sinta-se em casa, acredito que o pequeno castelo deve ser enorme comparado a sua antiga casa.

   ㅡ Pequeno?

   ㅡ Oh sim! Este não se compara aos antigos castelos do rei: eram enormes e cabiam uma cidade inteira dentro delas! Foram eficientes para a defesa da Europa nas invasões do passado, quando as guerras eram mais frequentes. O antigo duque gostava muito de estudar e passava muito tempo falando com meu marido. ㅡ Senti uma pontada de inveja, como um dardo venenoso que ferroou meu peito. Tentei suprimir o sentimento: estas pessoas não tinham culpa alguma, porém passaram mais tempo com aquele que deveria ter sido meu pai que eu ou minha mãe passamos em todas as nossas vidas. Murmurei algo como "Que legal" e tentei demonstrar interesse no assunto de modo que não incomodasse a senhora que me acolheu com tanto carinho, como se tivéssemos um convívio de anos.

   O som alegre ficou mais perto à medida que atravessamos a pequena sala, o calor do fogão e a iluminação melhor eram aconchegantes e contrastavam com o frio do início do outono que já ameaçava derrubar as folhas das árvores.

   ㅡ Pessoal, o Sr. Cohegan chegou. Deem as boas-vindas a ele crianças! ㅡ A alegre Sra. Brown me empurrou sutilmente com a mão em minhas costas para o centro da cozinha, que também era uma sala de jantar. As "crianças" eram, ao todo, quatro e tinham idades que deveriam ser entre 14 e 19 anos, ouvi alegres "Boa noite" e "Seja bem-vindo, Sr. Cohegan" dos mesmos. O jardineiro se levantou e, vindo em minha direção, cumprimentou-me como um amigo e não como um superior.

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