Raiva

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Alerta de gatilho: em geral, os mesmos do capítulo passado.

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Após um tempo apenas com Griffin implorando por distância e ignorando todas as condolências e tristezas de seus pais, os adultos saíram tão destruídos quanto estavam antes de entrarem. Pelo que ouviu dos sussurros, Griffin compreendeu que eles pretendiam perguntar ao médico quando iria voltar ao normal.

Mas Griffin nunca mais seria normal. Dali em diante, ele era um boneco que havia fugido das mãos de seu dono.

Por que seus pais agiam como se tivesse sido apenas um dia ruim? Foi uma vida inteira ruim. Estava fadado ao fracasso por completo.

Por que tentavam lhe tocar? Por que tentavam lhe convencer de seus sentimentos? Eles não estavam lá quando queria atenção. Eles não estavam lá quando implorou por piedade. Eles não estavam lá, nunca estiveram, e Griffin não conseguia sentir nada senão raiva, fúria, ódio.

Com a saída de seus pais, houve uma brecha para que seu último visitante entrasse, Finney Blake. Ele entrou com o rosto cabisbaixo, roupas de frio e largas, os dedos brincando uns com os outros e os fios de cabelo bagunçados.

Griffin conseguiu sentir um pouco de familiaridade com a miserável aparência alheia.

— Oi. - Finney saudou, mas não recebeu resposta. — Como você está?

Como ele estava? Destruído. Acabado. Machucado, ferido, queimado. E, por fim, descartado. Griffin já não tinha nada de importante em sua existência, sua única utilidade se esvaiu quando fugiu de seu cativeiro.

E ele fugiu porque ser inútil parecia melhor do que ser usado da forma que era. Ser inútil não contava com a dor e o sangue que saíam de suas pernas toda vez que o ato repugnante acabava lhe ocorrendo. Ser inútil não contava com couro contra uma coluna nua. Ser inútil não contava com palavras manipuladoras.

O prazo de validade de Griffin Stagg havia passado assim que pisou no asfalto. Agora era ser consumido pelas bactérias e fungos de seus pensamentos, medos, inseguranças.

Agora era viver afastando as pessoas e desejar a benção da morte.

Griffin estava enraivecido, mas nunca poderia dizer. Ele não tinha essa autorização. Oh, mais uma vez estava ele procurando por uma autorização que já não existia mais.

— Ah, claro, Finney, que ótima pergunta. - Finney se criticou e balançou a cabeça negativamente. — Desculpa.

Desculpa era a palavra que Griffin ousava afirmar que foi a que mais proferiu em seu cativeiro. Ele pedia perdão por falar mais alto ou na hora errada, por pisar nos lugares errados, por se comportar inadequadamente, por não ser perfeito.

Ver alguém lhe pedindo perdão causava tantos sentimentos dentro de si, mas principalmente raiva. As pessoas enxergavam muitos erros, poucos acertos.

Finney não tinha culpa de Griffin ter sido sequestrado, mas sentia-se culpado por não ter ido em seu lugar. Ele nem pensava que havia tido a consideração de visitar, que não era obrigado, mas mesmo assim o fez.

— Eu fui avisado sobre a questão de proximidade, não se preocupe. - Finney declarou, sentando-se na cadeira que ficava no quarto. — Eu não sei exatamente o que dizer, só... Só queria checar seu estado, eu te devo muito.

Griffin prosseguiu em silêncio e encarando Finney nos olhos. Por que ele conseguiu salvar aquele garoto, mas não a si mesmo? Por que sua importância se resumia aos outros?

Por que Griffin não conseguia provar para si próprio que ainda restava algum propósito naquele mundo?

O desconforto era visível no comportamento de Finney, o arrependimento também. Talvez fosse muito cedo para visitar Griffin.

Dores SolitáriasOnde histórias criam vida. Descubra agora