Aceitação

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Alerta de gatilho: menção a estupro. 

××××

A noite se seguiu sem muitas complicações. Griffin conseguiu jantar; todos usaram colheres na mesa e tomaram sopa.

Era estranho sentir um gosto e uma textura diferentes dos ovos e da água. Era líquido, espesso, com sabor, quentinho, temperado. Muito melhor do que os malditos ovos mexidos.

Na hora de dormir, Griffin encarou sua janela fechada e observou o ponto alto da lua no céu. Sua mãe terminava de lhe cobrir e ajustar o abajur para que não ficasse nem muito escuro, nem muito claro.

— Você quer que eu conte uma história para você dormir? - A mulher perguntou gentilmente e se sentou no banco de madeira que havia trazido da cozinha. Griffin balançou a cabeça. — Então, que tal eu te cantar uma musiquinha, hm?

A mão fraca de Griffin se estendeu, tremendo e suando, e puxou a barra da camisa de sua mãe. Ela lhe encarou com um pouco de choque estampado em suas expressões, mas não lhe impediu.

— Não vá embora. - Sussurrou. — Fique.

A mulher assentiu e agarrou a pequena mão de seu filho, dedilhando-a mais uma vez e fazendo um carinho gostoso. Griffin suspirou baixinho e permitiu suas costas relaxarem contra o colchão confortável da cama.

Colchão confortável, limpo, bonito, agradável, convidativo. Totalmente o oposto daquele maldito colchão.

Em algum momento, a escuridão envolveu Griffin e sua respiração ficou pesada. O mundinho dos sonhos havia vindo lhe buscar, mas sem uma razão aparente, pois ele acordou sem se lembrar de nenhum sonho.

Na manhã seguinte, a luz solar foi a responsável por lhe acordar. Ela queimava levemente sua pele, causava um quentinho confortável e lhe informava que era hora de descer para tomar café da manhã. Era tão... Diferente.

Naquele maldito porão, Griffin não sentia o sol, não sentia o quentinho confortável e não tinha nenhuma noção sobre o horário.

Sua mãe havia saído e deixado apenas o banco de madeira para trás. Ele olhou fixamente para o objeto antes de tocar com o pé. Estranhamente, sentiu-se vivo.

Griffin havia se sentido confortável com um toque. Era diferente das últimas vezes; não tinha só aceitado ou lutado, ele tinha gostado.

Talvez uma parte de si tivesse finalmente sido consertada.

Antes que pudesse sair da cama, sua porta abriu gentilmente e uma figura alta entrou com uma bandeja em mãos. Griffin arregalou os olhos, surpreso com a chegada repentina, e se encolheu um pouco por prevenção, mas logo relaxou - talvez o efeito tivesse sido contrário se o abrir da porta fosse grosseiro.

A figura era seu pai, que estava sorridente e animado.

— Bom dia, garotão. - Ele saudou e aproveitou o banquinho para se sentar. — Eu trouxe café da manhã. Não sei se você ainda gosta dessas coisas, então que tal provar?

Griffin arregalou os olhos e assentiu devagarinho, sentindo-se estranhamente confortado pelas palavras de seu pai. Talvez fosse porque, no fundo, Griffin temia que ele dissesse "antes você gostava".

Ele não queria ser lembrado como o antes ou o depois. Queria ser só o agora.

Colocando a bandeja sobre os joelhos, o pai de Griffin ergueu um pratinho com abacaxis cortados e estendeu até o garoto, que agarrou, curioso. Ele se lembrava de ficar animado toda vez que sua mãe voltava do mercado com um abacaxi enorme nas mãos, mas também se lembrava de ter que cortar sozinho porque seus pais estavam sempre ocupados demais para lhe fazer esse favor.

Dores SolitáriasOnde histórias criam vida. Descubra agora