04. O peso de tudo

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AGORA

Hoje é um daqueles dias em que eu acordo com uma terrível dor de cabeça, porque na na noite anterior, minutos antes de dormir, tive que esconder o rosto no travesseiro para abafar as lágrimas, até que o cansaço vencesse o pranto e eu conseguisse cair no sono.

Eu sei, desde a primeira infrutuosa tentativa de fertilização, como é carregar dentro do peito a culpa de ser um fracasso.

Quando a primeira tentativa falhou, chorei no peito de Simone durante toda a noite. Na segunda falha, ela me abraçou forte e dividiu comigo todos aqueles sentimentos ruins que estavam dentro de mim. Na terceira vez, minha Si disse que eu era tudo que Deus me criou pra ser e que ele me fez para ser puramente perfeita para ela. Na quarta, eu a escutei chorar baixinho quando ela pensou que eu já dormia.

E no quinto fracasso, descobri que a dor que Simone sentia era uma das maiores culpas que eu podia carregar em meus ombros. A de não conseguir fazê-la feliz. Desde então, tento dormir com minhas insuficiências, a minha mácula e minha infertilidade.

E é tão difícil ter que calar o choro pela noite, quando ela está ali ao meu lado pronta para me abraçar.

É quase incontrolável a ânsia de desabar na sua frente e pedir:

Me abraça, Si, cuida de mim, por favor.

Mas eu tenho que carregar o peso. O peso de não poder fazer nosso casamento totalmente feliz. O peso de tentar abafar a dor da partida daqueles que nem se quer chegaram a estar entre nós. O peso de colocar todo o choro de dor dentro de uma gaveta e trancar com um forte cadeado, para não machucar aquele alguém que nunca me machucaria.

Simone Tebet.

E a maior prova disso é ver, depois de vários minutos tentando esconder a cara inchada pelas lágrimas com uma generosa camada de base, a mesa do café da manhã toda organizada e uma morena, pele branquinha como neve, me esperando sentada na varanda, com um buquê de orquídeas brancas nas mãos.

Um sorriso nasce em meu rosto involuntariamente. Respiro fundo e sinto o seu aroma doce vir até mim no instante em que ela levanta para me encontrar.

Ainda vale a pena respirar

Logo, meus pés fazem o caminho que me levam a respirar em uma dança confortável.

Eu corro para os braços de Simone, porque neles eu consigo dançar uma valsa, eu me torno a melhor dançarina de tango, eu sou capaz de enfrentar todo o mundo e no fim, ainda consigo respirar fundo abraçada naquela superfície que me tranquiliza e me descansa.

Os seus braços não questionam as minhas noites mal dormidas. Eles carregam tanto conforto que meu coração se estica inteiro para se aconchegar. Estar atada nos braços de Simone me permite ter instantes de paz, as minhas lágrimas e preocupações tiram extensos períodos de férias e eu sou conduzida, por meio de seus carinhos e dos seus extensos braços e abraços, a dissolver toda a minha culpa e traumas.

Simone deita minha cabeça no seu peito e eu me permito fechar os olhos e apenas desfrutar do seu cheirinho de banho recém tomado. Ela leva uma de suas mãos até a minha nuca e começa um episódio de carinhos, sem questionamentos, apenas compreensão e entendimento.

— Bom dia So — ela me beija o topo da cabeça e eu emito um som de puro deleite — minha onça dengosa.

Aperto mais ainda a cintura de Simone, que agora está rodeada com meus braços.

— Bom dia, Si.

Simone segura meu queixo delicadamente e ergue meu rosto para que eu olhe em seus olhos. Toda aquela imensidão das íris de Simone, todos os sentimentos que ela carrega no olhar, fizeram meu interior revirar com o questionamento.

Com amor, Simone.Onde histórias criam vida. Descubra agora