03. Você é fofinha

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ANTES

Quando concordei em aceitar a ajuda de Simone para carregar a Deusdete, deixei escapar da mente o detalhe de que normalmente nunca organizo a casa no domingo.

Abro a porta e observo se há alguma coisa que eu deveria ajeitar antes de permitir que Simone adentrasse o apartamento, mas aí me dou conta de que eu deveria organizar tudo. Coisa quase impossível de fazer quando ela está bem atrás de mim carregando a pelúcia gigante.

Meu apartamento pequeno, quarto e sala, torna-se ainda menor quando existem pelo menos três livros jogados na mesinha de centro da sala de estar, pares de sandálias entre scarpin e mocassim, espalhados por cada canto do apartamento, na ilha da cozinha pedaços de pizza do dia anterior e, para elevar minha vergonha ao quadrado, meu cobertor de Rebelde que eu mantenho desde a adolescência está completamente amassado em cima do sofá.

Olho para trás rapidamente estudando a possibilidade de fechar a porta e mentir dizendo pra ela não entrar, pois eu tenho uma ratazana gigante de estimação e ela odeia visitas.

Maldita hora que olho pra trás

Meus olhos se cruzam com os dela no instante em que ela ergue a sobrancelha em confusão. Os olhos redondos, escuros como a mais profunda vala do oceano só pioram o meu impasse, porque agora não sei se me preocupa a bagunça na casa ou a bagunça que os luzeiros negros fazem no meu estômago.

Ela coloca a Deusdete sentada em seu quadril e olha por cima do meu ombro, tentando saber o que eu tentava esconder. Então, com um sorriso sem dentes, ela volta a me fitar. Porra, caramba, que mulher bonita.

— Algum problema, Soraya? — questiona ainda sorrindo.

— ããh, n-não — merda, gaguejei — pode entrar.

Ela fez menção de dar um passo a frente, mas eu a paro com um erguer de mãos.

— Com uma condição — ela assentiu e eu respirei fundo para continuar — você não vai reparar na bagunça e vai prometer não usar isso contra mim.

Simone sorriu, tão graciosa, sorriu com os olhinhos.

— Eu prometo.

— Deixa eu ver as mãos - estendeu as duas mãos gordinhas para frente — sem cruzar os dedos.

— Certo, eu prometo sem cruzar os dedos.

— Engraçadinha — suspirei, dessa vez mais forte para que a dose de coragem fosse maior — pode entrar.

Dou espaço para que ela entre antes de mim. Simone observa o apartamento rapidamente e me presenteia com outro sorriso lindo. Aproveito para observar os seus cabelos, tão pretos como seus olhos e, aparentemente, tão macios como a pele do seu rosto. A calça jeans que ela vestia desenhava perfeitamente a silhueta do seu corpo e a blusa azul combinava tanto com seu tom de pele.

Como é possível que em um domingo, o dia mundial da preguiça, essa mulher consiga ficar tão bonita?

Ela virou-se para mim sorrindo. No seu sorriso, o infinito que mil galáxias resguardavam.

— Você não vai entrar? — ela questiona e só aí eu percebo que ainda estou parada na porta como uma boba olhando pra ela.

— Aah, claro, sim. Fique a vontade Simone, vou só deixar essas sacolas na cozinha — passo por ela evitando olhar seu rosto, pois isso me deixaria ainda mais desconcertada.

Começo a guardar as coisas na geladeira, devagar, enrolando para tentar recuperar um pouco a dignidade.

Pego as barras de chocolate que comprei para repor meu estoque de emergência - emergência sendo caracterizada por mim como qualquer ocasião que seja necessário o consumo de chocolate para evitar possíveis danos, ou seja, todos os dias - e guardo no armário, organizando lentamente junto com os demais bombons, balinhas e biscoitos.

Com amor, Simone.Onde histórias criam vida. Descubra agora