lira dos vinte anos

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[...]

com o passar do tempo, já estou sem tempo para passar,
passo o tempo jogando ele para as coisas que preciso e quero,
para as vontades que o tempo futuro há de me dar,
vontades estas que foram definidas em outros tempos.

tempos em que as coisas eram mais simples,
que o simples gosto do açúcar adoçava o dia,
que um tanto de lua já fazia a noite toda brilhar,
e um pouco de sorriso já agradava meu ranzinza coração.

mas para onde foi a criança?
ele brincava, bem ali,
com suas fantasias de super-heróis vencidos,
e seus doces olhos grandes que sonhavam com um mundo diferente.

os papéis não tinham valor,
eram todos brancos,
logo tudo e todos deveriam ser pintados para serem coloridos,
em um só toque de criatividade.

mas você o deixou ir? ele não deixou cartas?
dizendo para onde ia ou quando voltaria,
você o sacrificou, não é?
o deixou na chuva onde aos poucos ele transbordou.

ele transformou,
se tornou a amargo e cinza,
em dolorido caos que se alimenta do fel,
mas ainda o conserva de certa forma,
ainda ama com toda a força?
ainda sabe pintar?
bem, você não o apagou por completo,
vejo os detalhes da tua arte em teus olhos,
em teus planos,
como se você o abraçasse eternamente,
e ele viveria em seus sonhos,
na casa que você construiu em sua memória.

os anos se vão e aos poucos percebo que tenho menos tempo,
e que aos poucos vou deixando de me machucar,
minha pele é minha armadura,
e com ela arrebentei a maioria das correntes que me amarram,
sobre tudo que pensaram de mim,
tudo que disseram que eu não poderia ser,
e aos poucos vou sendo.

um tanto de água e um tanto de terra,
olhos para a escuridão da noite,
algumas dores hoje são pequenas,
diante dos tempos que essas eram maiores do eu mesmo,
maiores do que eu um dia pensei aguentar,
as coisas se tornam mais feias,
nem tudo cheira a flores.

meu humor se torna minha capa,
minhas esperanças se materializam aos poucos nas risadas,
na sinceridade dos meus versos,
e na delicadeza de cada flor que um dia roubei.

tudo isso é um livro, não se esqueça
um filme conceitual,
uma orquestra sinfônica,
uma ópera italiana,
um teatro trágico,
bem, isso não importa, o que é verdade.
é que ainda sou uma velha criança que anda em pernas de pau para ficar mais alto,
que ainda ama as pequenas coisas,
que ainda sente demais e finge não sentir,
engole o choro e finge estar feliz,
porém ainda guarda algo de doce no espírito.

[...]

não leve tão a sério meu sorriso triste, é apenas mais um traço do meu sarcasmoOnde histórias criam vida. Descubra agora