Capítulo 4

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Penúltimo dia, última noite

Fui acordada pelas ninfas, olhei para o outro lado da cama, estava vazia.

— Ele foi se preparar, hoje é o penúltimo dia de festa. Como é o penúltimo dia de festa, os recém casados devem participar do banquete que começa pela amanhã e vai até o dia seguinte — Contou uma das ninfas notando meu olhar confuso, as outras a olharam como se tivesse dito algo fora de lugar.

Ela continuou, agora olhando para suas irmãs:

— Ela não é a senhora Afrodite. É uma humana — As outras duas trocaram olhares e disseram um sonoro ah! de entendimento.

— É claro. Como não percebemos antes? Como a senhora deusa do amor é inteligente, eu sabia que ela não iria dormir com o mostrengo. Colocou uma falsificação para enganá-lo. E onde ela está? — Perguntou outra ninfa.

— Não sei, ela aparece e some sem dizer para onde vai. — Respondi mergulhando na banheira.

— Bom, qual é o plano da nossa senhora?

— No último dia ela vai cancelar o casamento com a ajuda de Hera.

— Mudança de planos, querida criatura. Deve ser hoje — Falou Afrodite entrando no quarto e trancando a porta.

— Como assim? Me enviará hoje?

— Não, te enviarei amanhã, bom, não sei, veremos como as coisas sairão, mas hoje eu terei que ficar na cerimônia. Consegui soltar Hera, ela aparecerá no banquete e solicitará o cancelamento.

Ela estalou os dedos e meu corpo voltou ao normal, bem como minha camisola longa e recatada. Ela se arrumou com a ajuda das ninfas e quando estavam saindo a chamei, receosa.

— Senhora deusa do amor, eu... eu posso assistir ao banquete?

— Eu não...

— Deixe-a ver. Será um grande espetáculo, e ela merece vê-lo — disse Ares quando a porta foi aberta. Ele se aproximou de Afrodite e a abraçou dando-lhe um beijo no pescoço.

— Mas ela destaca demais. Veja, é diferente de qualquer criatura divina — Ares jogou uma pulseira negra para mim, quando eu a coloquei, me transformei em uma bela ninfa do bosque.

— Agora a levarei como minha acompanhante — disse ele soltando Afrodite e tomando-me pela mão. Saímos do quarto, seguimos pelos corredores até o grande salão do banquete. O sorriso suave que ele mostrou para Afrodite sumiu ao passo que atravessamos os corredores, seu rosto belo e esculpido tornou-se rígido e severo.

— Como sabia sobre mim?

— Afrodite nunca dormiria ou caminharia pelos jardins com aquela criatura, ainda mais sorrindo com ele. Era óbvio demais para não se dar conta de que havia uma impostora. De onde Afrodite tirou você? De um pantânto? Você é uma sub espécie de ogro?

Tentei não revirar os olhos diante desse babaca, apenas sorri e neguei com a cabeça, ao chegar ao grande salão, ele me arrastou até uma mesa, me sentei, agradecida de não precisar mais estar de braços entrelaçados com ele.

Hefesto apareceu no salão, sorriu falando com um deus de longa barba, em seguida seguiu para o jardim do lado leste. Olhei em volta, ninguém pareceu prestar atenção. Me levantei e o segui.

Ele sentou no banco próximo a um jacarandá violeta e tirou do bolso uma caixinha rosa, retirou um brinco de pérolas e começou a moldar o aro inacabado. Me apoiei em uma árvore vendo-o criar aqueles lindos brincos. Parecia tão encantado, talvez seja por ser um deus artesão, por isso gosta de inventar e criar coisas.

— São lindos — Ele deixou sumir o sorriso que repousava em seus lábios e me encarou sério, curvou uma sobrancelha, estranhando, como se ninguém nunca antes o tivesse elogiado — Desculpe, senhor, é que eu não resisti a beleza dessas joias.

— Tudo bem. São para minha esposa.

— Também são mágicas?

— Sim.

— Qual poder elas têm? — Perguntei, ele endureceu o olhar antes de voltar ao trabalho, falou sem me olhar:

— Não é algo que você deva saber.

— Desculpe. — soprei voltando para o salão, depois de algum tempo de mordiscar um ou dois pedaços de doces e tomar um gole de vinho, Afrodite chegou, se sentou no local dos recém casados, não muito tempo depois Hefesto apareceu, seu rosto se relaxou quando a viu, abriu um sorriso largo e branco, eu quase sorria em reflexo, porém não o fiz, tomei mais um gole de vinho, ele se sentou ao lado dela, que sequer o olhou, ele tentou tomar sua mão, ela se afastou.

Eles falavam algo, ela visivelmente aborrecida, ele magoado. Apertei a taça de prata com força, mordi o lábio para não chorar vendo como o coração doce e gentil dele era partido cruelmente.

— Entra sua senhora a grande deusa-mãe Hera de Olimpo — Todos ficaram em silêncio e se levantaram para curvar-se diante de Hera, senti uma forte pressão no corpo, o que me fez tremer, me curvei, olhando de soslaio a grande deusa que parou diante de Zeus em seguida virou-se para Hefesto.

— Eu não permite essa união por livre e espontânea vontade. Fui forçada depois de ser enganada pelo filho que gerei. Sendo assim, pergunto agora, Afrodite, filha de Zeus, você quer se casar com Hefesto?

— Afrodite se levantou, Hefesto agarrou sua mão delicadamente, ela o empurrou e deu um passo à frente.

— Querida, o que você tem, não parece a mesma...— disse ele se levantando também, seu olhar perdido e ferido me doía como pontadas no meu peito.

— Não me toque — ordenou Afrodite.

— Afrodite, filha de Zeus, o que você me diz? Aceita essa união?

— Não. Eu Afrodite, filha de Zeus e deusa do amor e da beleza, me nego a me unir a esse monstro.

Levei uma mão a boca para impedir os soluços, e a outra mão tentei enxugar as lágrimas que jorravam de meus olhos, por sorte ninguém além de Ares viu meu pranto, estavam ocupados demais vaiando e rindo de Hefesto que indiscretamente deixou uma lágrima cair de seu olho dourado como chama. Pensei que ele gritaria e começaria um completo massacre ali mesmo, porém, ele simplesmente se virou e seguiu pelo corredor a passos rápidos. Me levantei e o segui, no meio do corredor vi a caixinha dos brincos de pérola. Os tomei para mim, desistindo de persegui-lo. Abracei a caixinha,os brincos seriam minha recordação dele.

— É você a humana, certo? — uma voz falou atrás de mim. Quando nossos olhos se encontraram, ele sorriu — Sou Hermes, Dite me mandou até você. Sou o deus dos viajantes, posso te devolver ao seu tempo. Quer ir agora?

— Eu posso ir agora?

— Obviamente. Por isso Dite me mandou, ela está com medo de que Hefesto descubra sobre a farsante e use isso como pretexto para dar continuidade ao casamento. Tome minha mão e seguiremos imediatamente.

Tomei sua mão, e em um sopro estava de volta ao meu corpo e a minha cama, ainda era noite. Na minha mão estava a caixinha dos brincos de pérola, eu a abri, só havia um brinco e um bilhete com a seguinte frase:

"Meu pagamento pela viagem."

Amassei o papel e xinguei mentalmente o deus Hermes. Passado o turbilhão de emoções, adormeci.

CINCO NOITES COM UM DEUS GREGOOnde histórias criam vida. Descubra agora