A troca (parte 1)

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Caio retornava para casa após passar um mês como voluntário em uma ONG no Rio Grande do Sul. Poderia ter aguardado para viajar no dia seguinte, quando tivesse amanhecido, porém estava com tanta saudade de Wellington, o namorado, que, no instante em que terminou seu serviço e chegou no apartamento em que estava residindo, arrumou as malas e se jogou na estrada.

Cantarolava uma música do Paramore para se manter acordado, tamborilando os dedos no volante no ritmo da música. Como estava habituado a fazer aquele percurso há anos, conhecia quais estradas tinham menos tráfego, então dirigia por um atalho que não era rota de caminhoneiros, consequentemente encurtando o tempo de viagem. Estava bem perto da sua cidade agora. Esperava que Wellington ficasse feliz com a surpresa, mesmo que chegasse de madrugada na casa dele. Em sua cabeça, não tinha como dar errado.

Foi então que uma mensagem de Saulo, seu melhor amigo, chegou. Nela, uma foto de Wellington beijando dois caras ao mesmo tempo em uma boate, seguida da mensagem: “Amigo, eu não podia deixar que ele te enganasse”.

Cegado pelo ódio, Caio sentiu o calor subir por sua nuca e se apossar de suas orelhas. Por mais que já tivessem tentado alertá-lo sobre Wellington antes, ele preferia acreditar que o namorado não seria capaz de tal ato. Afinal, até sobre casamento eles já haviam conversado. Sem perceber que descontava a raiva no acelerador, Caio continuava encarando a imagem e, no momento em que reconheceu que um dos caras que Wellington beijava era o ex-namorado dele, passou por cima de algo e um grande estouro ecoou pela estrada deserta.

Não era nenhum profissional em assuntos mecânicos, mas só pelo som que se seguiu, soube que um dos pneus havia furado. Diminuiu a velocidade e parou no acostamento. Ainda com o celular na mão, parou diante do pneu. Apoiou as mãos no capô do veículo, encarando o anel de compromisso que acrescentava uma faixa grossa sobre sua pele negra.

Respirando fundo e tremendo, moveu seus olhos castanhos de uma ponta à outra da estrada, passando-os pelo matagal que percorria as laterais. Nem sinal de veículos se aproximando.

“Calma, Caio. Foca primeiro no problema maior”, pensava, colocando as mãos na cintura. “E ainda gastei dinheiro com uma calcinha nova pra agradar aquele desgraçado!”

   – Preciso de um mecânico. – Consultou a agenda do celular e encontrou o número do mecânico que ficava na esquina de sua casa. – Será que ele atende emergências?

Sentou sobre o capô do carro, aguardando que fosse atendido, até que ouviu uma voz de sono do outro lado da linha:

   – Alô? Quem é?

Pelo tom da voz, quase desligou. Talvez fosse apenas a voz dele que era grave, cogitou, e ele nem esteja irritado pela hora.

   – Ah… Boa noite. É o Marcão, mecânico?

Roía a unha, ouvindo o som da cama rangendo durante o silêncio do homem.

   – Eu mesmo. Quem é?

   – Meu nome é Caio. Moro perto da sua oficina. Mas estou com um problemão agora e preciso dos seus serviços. Você atende esta hora? Eu posso pagar a mais. Só preciso sair daqui.

Mais barulhos e, entre eles, Caio reconheceu que haviam passos.

   – Qual foi o problema? Me manda a localização no Whatsapp, e eu chego aí.

Aliviado por saber que não teria que ficar procurando por outro profissional na internet, Caio disse:

   – Pneu furado. Eu tenho o step, mas não sei trocar. – Caio sentiu uma pontada de vergonha, achando que o mecânico faria algum comentário sobre aquilo, mas Marcão apenas bocejou e disse:

   – Sem problemas. Vou vestir uma roupa e sair de casa.

“Vestir uma roupa?” Caio imaginou Marcão andando pela casa nu, uma visão e tanto, tinha que admitir. Sempre que passava em frente à oficina e o via com aquele macacão sujo de graxa, caído na cintura, e a regata branca suada revelando os braços do mecânico, Caio fantasiava com o fetiche. Livrando-se do pensamento, ele    soltou um pigarro.

   – Ótimo. Vou enviar agora a localização. – Então, desligou e fez o que havia dito.

Sem ter o que fazer enquanto Marcão não chegasse, retornou ao banco do motorista e se trancou dentro do veículo. No banco traseiro, uma caixa de chocolates importados, junto a uma garrafa de vinho, só tornava sua raiva ainda maior. 

“Se ele pensa que vai ficar por isso mesmo, ele está muito enganado”, Caio pensava, puxando os chocolates para o colo enquanto, com a outra mão, enviava a foto para Wellington. “Nem para ter o cuidado de me trair em um lugar longe.”

Enfiou um Ferrero Rocher na boca e o trucidou em segundos, encarando a tela, na esperança de que Wellington ficasse online. Vinte minutos e metade da caixa de chocolates depois, avistou uma picape vermelha familiar se aproximando. Desceu do carro e acenou para Marcão, que buzinou em resposta.

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