Aos amores da minha vida

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Eu lia a carta que encontrei na gaveta do escritório de Rodolffo pela milésima vez.

Meus amores

Se vocês estiverem a ler esta carta é porque fisicamente não estarei convosco.

Quero que saibam que apesar dos pesares parto feliz. Amei e fui amado e desse amor nasceste tu, Ana Filipa, minha princesa.

Lamento não estar presente no teu primeiro dia de escola, no primeiro de Universidade, na formatura e em tantos outros momentos lindos que vais ter.

Na vida encontrei um grande amor e quando por algumas más decisões o julguei perdido, ela deu-me uma nova oportunidade no dia em que mudou de estação.

Ju, meu amor.
Obrigado por me amares. Cuida da nossa filha e ensina-lhe bons valores. Ensina-a a amar e respeitar mas também a exigir que a amem e respeitem.
Fala-lhe de mim e de quanto eu a amo.

Não chorem a minha perda. Lá onde estiver eu continuarei a olhar por vós e sempre que estiverem tristes olhem as fotos que tirámos juntos onde transparece todo o amor de uma família.

Apoiem-se uma na outra e tratem de ser felizes.

Com amor
Rod

Uma semana atrás

Fizemos a festa de aniversário de 5 anos da nossa Ana Filipa. A festa foi organizada pelo Rodolffo. Eu apenas escolhi o vestido. Ele quis fazer tudo. Suplicou-me até.

Consenti e confesso que fiquei muito orgulhosa.

Com o tema Disney não há muito que errar. Ana estava uma linda princesa. Eu e Rodolffo também estávamos de acordo com o tema. Foi um caso sério para ele vestir o fato de rei por causa dos collants, mas a festa era ideia dele, não tinha como fugir.

Depois do parabéns ele foi para o quarto descansar. Disse que estava muito cansado e já não aguentava mais festa.

Beatriz ajudou-me com o que restava de convidados e quando todos foram embora, guardei tudo e fomos descansar. Já era bastante tarde.

No dia seguinte acordei Rodolffo, mas ele ainda parecia cansado. Dei-lhe o café que era quase nada, pois não podia comer nem beber muito e no dia anterior tinha abusado um pouco.

O transporte veio buscá-lo para o tratamento e eu despedi-me dele. Insistiu para dar um beijo à filha.

A meio da manhã recebi uma chamada. Rodolffo estava a caminho do hospital. Não deram mais informações.

Deixei Ana com a Vera e corri para o hospital. Quando cheguei já o tinham levado para observação. A informação que me deram foi um princípio de AVC, mas neste momento estava consciente e a ser monitorado.

Esperei umas boas duas horas até me virem chamar para o ver. Rodolffo estava num quarto, ligado a diversos aparelhos mas consciente.

Olhou para mim e sorriu, mas não falou nada. Eu sorri de volta. Queria chorar, mas controlei-me. Segurei no rosto dele e beijei-o.

Aconcheguei-o no meu peito, tentando não interferir com aquele monte de fios ligados a ele e logo o monitor do ritmo cardíaco mostrou uma linha contínua. Baixei a cabeça e juntei os nossos lábios.

Eu julguei que ele partira. Sussurrei
"adeus amor" antes da equipe médica entrar no quarto e afastar-me.

Tentaram reanimá-lo, mas eu sabia que poderia não ser possível.

Aguardei do lado de fora até que o médico veio até mim.

- O Rodolffo voltou.  Conseguimos reverter a situação.

- Eu chorei naquele momento.

O médico deixou-me entrar só para eu ter a certeza que ele tinha voltado.  Os aparelhos continuavam ligados e o seu ritmo cardíaco estava ali bem diferenciado.

Eu tinha que sair, por isso dei-lhe um beijo e sussurrei um amo-te muito.
Ele sorriu com os olhos.

Voltei para casa com a certeza de que Deus nos daria outra oportunidade.

Nessa noite houve um enorme acidente, donde resultaram vários mortos.

Quando o visitei no dia seguinte informaram-me  que estava na sala de cirurgia.
Poderia ir embora que ele só estaria liberado ao fim de pelo menos três horas. 

Fui resolver uns assuntos, tratar da Ana que por sinal fui deixar na casa da Beatriz e regressei ao hospital.

Rodolffo já estava na recuperação.

Vesti a bata, sapatos, touca e luvas e entrei.

Estava desperto embora abatido.  Toquei no seu rosto e mandei-lhe um beijo pois recomendaram o mínimo de contacto.

- Sou um homem de sorte, disse ele.
Deus deu-me nova oportunidade.

- Tive tanto medo, amor.  Pensei que tinhas-me abandonado de novo.

- Nunca mais vos deixo.  Eu vou cuidar deste rim como se fosse um diamante valioso.  Aliás é mais valioso que um diamante.

Pôe-te bom depressa que temos um ajuste de contas a fazer.

- O que...

- Não fales.  Não te podes cansar.

Como da primeira vez, Rodolffo esteve um mês no hospital, mas regressou a casa sem qualquer risco de infecção, por enquanto.

Hoje pratica exercício físico,  tem uma alimentação saudável,  aliás cá em casa todos temos e aposentou-se apesar de ainda ser novo.
Vivemos uma vida pacata.

Após dez anos,  segue pleno.  Obriguei-o a rasgar aquela carta e a jurar nunca mais escrever nenhuma.

Tanto eu como a nossa filha, hoje com 15 anos não nos cansamos de lhe dizer o quanto o amamos e ele a nós.

Prometemos nunca deixar de o fazer e demonstrar todos os dias e não deixar que seja uma folha de papel a transmitir-nos isso.

FIM

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