A verdade

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Mais um mês passou.

Rodolffo regressou novamente ao hospital para uma actualização do seus estado clínico.

O período de rejeição aparentemente tinha passado, embora nesta coisa de transplantes nada é garantido.

Vera veio trazê-lo e aguardou no carro enquanto ia à consulta. 
Assim que saiu do carro avistou Beatriz que acabava de deixar o hospital.

Aquela presença já da última vez o tinha intrigado e hoje ainda mais.

Entrou no consultório disposto a confrontar o médico.

Depois dele o informar que estava tudo bem com a sua recuperação,  ele ganhou coragem e perguntou:

- Doutor,  o meu dador foi a minha esposa?  Por favor, não minta para mim.

- Porque haveria de mentir?

- Eu tenho essa sensação.  Foi, Doutor?

- Foi.  Eu prometi a ela não contar.  Ela tem passado um mau bocado.

- Ainda está cá?

- Ainda.  E vai ficar por algum tempo.

- Mas faz mais de dois meses? O que aconteceu?

- Complicações que por vezes surgem em cirurgias.

Rodolffo que até aqui estava a fazer-se de forte não resistiu e desabou num choro em frente ao médico.

- Não sei o que causou a vossa separação,  mas tanto o Rodolffo como ela precisavam um do outro nesta altura.  Ninguém merece passar por isto sozinho.

- Eu posso vê-la?

- Você deve evitar ao máximo o ambiente hospitalar.  É vir às consultas e pouco mais, mas já que está aqui pode vê-la sim.  As visitas já terminaram e eu vou liberar porque não anda muita gente por aqui.

O médico chamou uma enfermeira que o acompanhou só quarto de Juliette.

A enfermeira espreitou e disse que ela dormia.

- Fique um bocadinho e depois saia.

A enfermeira saiu e ele aproximou-se da cama de Ju.

O rosto estava pálido e os lábios sem qualquer cor.  Tinha emagrecido bastante a contar pelo rosto e braços que estavam a descoberto.

Rodolffo sentou-se numa cadeira ao lado dela e segurou-lhe na mão levando-a aos lábios apesar de estar com máscara.  Os olhos estavam marejados.

Ela mexeu-se e ele chamou baixinho:

- Ju.

- Ela voltou o olhar para ele no mesmo instante.

- Não fales.  Não te canses.

- Estás bem? Perguntou ela.

- Estou muito bem.  Obrigado por tudo.  Eu não mereço o que passaste.

Ela olhou para ele sem dizer nada mas ele percebeu tudo no olhar.

- Não posso ficar muito tempo, mas nunca mais te deixarei mesmo que não me queiras.
Volto amanhã na hora da visita.

- A Beatriz vem.

- Eu sei que ela vem, mas eu venho também.

Levantei-me, dei-lhe um beijo na testa e afaguei-lhe o rosto e saí lavado em lágrimas.
Uma enfermeira veio consolar-me e acompanhar-me até à saída.

- Vai correr tudo bem, disse ela.

- Obrigada.  E saí em direcção ao carro onde estava Vera.

Entrei no carro e já fui esmurrando as minhas pernas.

- O que foi Rodolffo?  Que aconteceu?

- A Ju, Vera.  A Ju, está hospitalizada há dois meses por minha culpa.

- Santo Deus.  Que aconteceu?

- Foi ela que me doou o rim e correu mal para ela.

- Isso é amor.  Tudo se vai ajeitar.  Logo ela vai ter a sua recuperação.

- Que idiota eu fui.  Quis poupá-la ao sofrimento da minha doença e foi pior.  Se ela não recuperar nunca me vou perdoar.

- Não se recrimine agora.  É hora de seguir em frente.

- Como vou seguir em frente com ela naquela cama de hospital?

- Com tempo.  O tempo tudo cura.

- Menos o remorso.

Entrei em casa e fui para o meu quarto.  Chorei até não ter mais lágrimas.

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