Aos 23 minutos de um novo dia, ela saiu pelo telhado. Como uma gata em meio aos burburinhos da Cidade Luz. Falavam sobre uma moça que havia surtado durante uma festa e matou 4 homens dentro de um cômodo. Beatriz sabia o tipo de "homem" que encarou tal destino e sorriu. Começou a rir sentindo o vento daquela noite fria e preferiu não olhar pra Torre do Relógio que já marcava os 24 minutos. Viu no relógio em seu pulso e pelo braço pardo estavam as marcas que há muitos anos haviam cicatrizado.
Marcas de uma das suas primeiras vítimas.
Foi uma execução desastrada e desesperada que depois resultou no seu símbolo de boa sorte.
Todo dia se despedia do tio Tony antes de caçar. O corpo era mantido num cubículo de gelo especialmente preparado e esboçava um sorriso a cada despedida. Ou pelo menos Beatriz gostava de imaginar ele sorrindo.
Matar durante um espaço prolongado de tempo ensinou a frieza que não teve com ele, entre muitas outras coisas. Por outro lado sua pele parda guardava cicatrizes de todas essas mortes e o braço perfumado onde estava o relógio foi o cinzeiro do tio Tony por um bom tempo. Ninguém sabia ao certo o motivo pelo qual ela foi mandada pra morar com ele aos 12 anos.
Por lá tudo começou com uma fala mais áspera que evoluiu para alguns gritos. Pancadas em um dia, abusos e os maços de Malboro alterando a estética dos seus braços no outro dia. Beatriz teve nojo de si mesma, da impotência diante da barbárie a que era submetida até o momento em que, de alguma forma, conheceu o brilho prateado de uma semi automática. Era só apontar e atirar.
E lá estava ela com uma Taurus travando e Tony ensandecido tentando desarmar a garota que já tinha seus 14 e a cota de paciência e "inação" esgotada. Não que fosse de sua responsabilidade crivar o tio de balas ou chamar a polícia. A omissão da tia sequer permitiu isso e cobrou sua própria vida no ápice daquela nojeira.
O click seco do metal e nenhum tiro arregalava os olhos dela que sentia a pressão das mãos de Tony batendo seu braço contra a mesa da cozinha. Lembrar daquilo embrulhava o estômago e contaminava o vento frio e gostoso daquele telhado. A Torre parecia tão próxima. A parte que mais gostava de lembrar era do milagre que fez a arma disparar.
Infelizmente não disparou o tiro fatal, mas ajudou quando acertou de raspão o braço dele e o fez se desequilibrar e isso foi a deixa pra que Beatriz desesperada e furiosa pudesse pisotear seu carrasco até uma morte irônica.
Morreu sentindo impotência diante da violência. Assim como ela passou aqueles dois anos imersa nessa sensação. Apesar do rosto completamente desfigurado, algum tempo depois e com a cabeça mais fria, Beatriz improvisou o jazigo de Tony e com uma criatividade que nunca teve chance de ser expressada de uma forma saudável, ela fez dele o símbolo do seu trabalho. Sua visão, missão e valores: conservar todo bom filho da puta que lembrava Tony, ou seu pai assim, inanimados no gelo.
Ou debaixo da terra.
***
Ao completar uma hora e quinze minutos desse novo dia (1:15 pm) ela já tinha montado sua Ruger.
Em meio a essas lembranças familiares Beatriz deslizou as peças do rifle de precisão sobre uma mesa que havia improvisado e coberto com um pano verde. Com mãos firmes e movimentos precisos, ela começou a montagem. Primeiro, encaixou o cano de aço inoxidável ao receptor, garantindo que cada parafuso estivesse apertado ao ponto exato. O som metálico do clique ecoou pela cidade silenciosa.
Verificou o alinhamento, usando uma ferramenta especial garantiu que o cano estava perfeitamente reto. A próxima etapa é a instalação da coronha, ajustável e feita de um material leve, mas resistente. Então Beatriz instalou e ajustou ela ao comprimento de seu braço, foi sentindo o equilíbrio do rifle se formar. Sorriu ao lembrar do último chute na cara de Tony.
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Parabéns Você Morreu
ContoUm jovem atormentado por uma insônia constante e pesadelos com um aracnídeo relatou algumas histórias. Uma mulher furiosa que se diante de um abuso iminente. Uma caçadora implacável e por fim, sua própria jornada misteriosa até aquela que poderá lhe...