CAPÍTULO 2

93 13 28
                                    

ANNELIZ COLLEMAN

A mensagem de Daniel é tão repulsiva que não consigo imaginar todas as vezes que aceitei entregar meu corpo a ele. Mesmo que não tivesse percebido meu flagrante, é um disparate sem dimensões propor jantar fora, ainda mais sexo, depois de se esbaldar com aquela vagabunda! Uma ofensa! Que nojo! Sinto até uma ânsia subir pela garganta imaginando as falsas palavras de “amor” que diria.
De súbito uma ideia genial passa pela minha cabeça, não tenho certeza se conseguirei pôr em prática com êxito. Mas a executo imediatamente.
“Sinto-me um pouco indisposta, que tal um jantar em casa mesmo?”
Tento ser tão fria quanto ele, embora não seja de minha natureza agir de forma tão calculista assim. Pauso o dedo por um lapso de segundo sobre o enviar na dúvida se conseguirei manter minha permanência na mesma casa que aquele ser humano sozinha por muito tempo, sem fazer a besteira de mandá-lo dessa, para uma vida melhor.
Poderia cortar fora aquele terceiro dedo mindinho que ele tem entre as pernas. Não! Vou deixar ele levar chifres, porque aquela mulher não vai se contentar com aquela porcaria.
Engolindo a náusea que ameaça surgir, aperto enviar com ódio àquelas palavras. Poucos segundos depois, recebo a resposta. Um “ok” tão frio quanto a cara de palhaça que imagino estar pendurada sobre meu pescoço nesse instante.
— Como pude ter sido tão burra! Por que não fiz um escândalo? Por que não dei uma boa lição naquele infeliz? — A imagem de Juju vem a minha mente e lembro que por ela, tenho que manter o controle.
Coloco meus pensamentos no lugar e me consolo de que agi da maneira mais sensata no momento. Será que a sensatez vai fazer a diferença daqui pra frente? Ou só me transformará numa boboca que aceita todo o tipo de humilhações de pessoas como Daniel?
Ligo para o setor jurídico da empresa e peço para falar com Gauss. Ele é um dos melhores advogados da área e preciso saber exatamente como proceder.
Quando me atende, faço um breve relato do que aconteceu banhado a lágrimas de decepção e constrangimento.
— Baseado no que contou, AnneLiz, vou mandar um arquivo de texto do qual vai imprimir, ler e assinar em conjunto com seu marido. Assim que ambas as partes estiverem assinadas, você me devolve o documento que entrarei na justiça com o pedido legal do divórcio. — Mais calma, escuto atenta o passo a passo que teria que fazer.
— Você tem provas da traição?
— Sim, fiz uma filmagem deles na minha cama. — A vergonha é tanta que se não fosse por Juliete, nem sei se conseguiria seguir em frente.
— Ótimo. Faça uma cópia pra que eu possa anexar ao processo, outra pra você manter num lugar seguro e mais uma pra esfregar na cara daquele imbecil. — Faz-se um silêncio do outro lado da linha... Isso não é bom.
— Fizeram um acordo por escrito antes do casamento?
— Não.
— A casa está no seu nome?
— Acho que no dele também, cinquenta por cento cada.
— Bem, terão que entrar em um acordo com a divisão. E vai ter uma audiência de guarda da sua filha. Então, prepare-se.
— Guarda? Como assim? Juju é minha filha! — Me desespero sentada atrás da minha mesa.
— E dele também. Ambos têm o direito de recorrer ao pedido de guarda. É de praxe, fique calma.
— Calma? Sou eu quem põe comida naquela casa, que compra roupas para ela, mantém em dia as mensalidades do colégio e ainda, algumas vezes, sustento o vício em jogo daquele traste! Como posso ficar calma! — elevo o tom da minha voz sem perceber meu descontrole.
— Controle-se, AnneLiz. Eu sei o quanto é difícil, mas não é pra mim que tem que dizer essas coisas. E muito menos nesse tom.
— Desculpe... Eu ... sei, desculpe. Estou nervosa e ... — minha insegurança e desânimo afligem meu corpo. Sinto o peso de toneladas sobre os ombros em decorrência da decisão que estou tomando. Mas que outra opção tenho, meu Deus?
— Tudo bem, vou fazer o que me disse, obrigada. — me despeço e encerro a ligação. Perder Juju para aquele traste?! Nem pensar! Ela não pode ficar com um irresponsável como ele!
Esfrego os olhos em busca de alívio da enxaqueca terrível que me assola. Sem mais demora, faço exatamente o que ele diz. Imprimo as folhas, leio com atenção sobre os bens de partilha. Coisa que não abro mão, é da minha mobília comprada com meu suor e lágrimas. Não vou facilitar para aquele infeliz. Rabisco minha assinatura e visto uma armadura invisível tentando me proteger da batalha que terei em casa.
O tempo entre sair do trabalho e o trajeto no carro, fico pensando se vou dar conta de tudo. De ser corajosa ao enfrentá-lo, de criar uma filha sem pai e o peso de um casamento fracassado.
Pago o motorista contando os míseros dólares que sobrou, daqui uns dias vou trabalhar apenas para o táxi. Preciso mudar isso de alguma forma.
Quando chego em casa, fecho os olhos diante da porta de entrada por alguns segundos. Incorporo minha personagem vitoriosa e entro devagar sem expressão nenhuma no meu rosto. Estou fria como um iceberg na Antártida.
Caminho a passos lentos até a sala de jantar e o vejo terminando de arrumar a mesa e acendendo as velas no castiçal ao centro colocado sobre minha toalha branca, presente de Natal da minha mãe. A mesa está impecável, o perfume gostoso de carne assada desperta meu sentido, mas não dou importância, pois minha vingança pessoal está à altura desse jantar.
Seu cabelo loiro está úmido, o mínimo era ter tomado um banho depois de me botar um par de chifres, né seu escroto? Pergunto em pensamento.
— Olá, querida! — Quase vomito com o sorriso que lança na minha direção. — Onde está Juju?
— Com minha mãe, achei que precisávamos de um pouco de privacidade para esse jantar... — Por fora sou uma muralha impenetrável. Por dentro, uma montanha desabando.
— Que ideia genial, assim poderemos aproveitar melhor a noite! — exclama vindo em minha direção.
— Precisamos conversar — Viro o rosto quando tenta se inclinar para um beijo.
— Claro, teremos a noite toda... — Galanteios agora? Mas é muito cínico!
— Pretendo ser breve... — Passo por ele de queixo erguido e entrego a papelada do divórcio para que leia. O ar de espanto com as folhas em sua mão, me diverte. — Já sabe que a casa é herança para Juliete! Quero uma pensão bem favorável a tudo que ela precisa para ter uma vida confortável e não verá mais nem um centavo do meu dinheiro!
Encho uma taça do vinho tinto que está sobre a mesa e entorno a bebida de uma vez.
Seu semblante falsamente calmo se transforma numa máscara de amargura. Seu orgulho desencadeia lufadas de ar audíveis feito um touro em uma arena ao se preparar para enfrentar o toureiro.
— Mas que porra é essa? — Vira as páginas sem entender o que está acontecendo.
— Não sabe ler, Daniel? — ele parece além de tudo, aturdido. — É o preço por ter... — Não consigo dizer a palavra. — Uma tarde agradável com a sua puta particular... — Tento esboçar um sorriso, mas diante da sua cara de pau... minha careta deve demonstrar o grau de desprezo. — Eu flagrei a sua foda da tarde com aquela vagabunda na minha cama! Na minha cama, cacete! Na casa que eu sustento! Na porcaria do meu quarto!
— Está maluca, mulher?
— Não seja cínico, Daniel! — Jogo a taça no chão a espatifando em mil pedaços. Pego meu celular e envio a cópia do vídeo para ele. — Refresque sua memória, ‘querido’...
Assim que os gemidos do vídeo ressoam pela sala, ele tenta se explicar. Mas, não há palavras em sua boca para expressar arrependimento pelos seus atos. Endireito o corpo alinhando meu terninho e alcanço uma caneta em minha bolsa para que assine os papéis. Controlo minha respiração alterada e mantenho meu olhar neutro represando minhas lágrimas.
— Se não quer que eu arruíne sua pobre reputação naquela repartição de merda e afunde sua cara falsa no lixo, do qual você nunca deveria ter saído, assine os papéis do divórcio! — tento ser firme, mesmo por dentro, prestes a explodir de dor.
Seis anos sendo passada para trás, seis anos de humilhação, agora não mais!
— Isso não vai ficar assim, AnneLiz! Vou procurar meu advogado! Tenho meus direitos! — assina com ódio e mãos trêmulas as linhas marcadas e praticamente atira a papelada em meu rosto. — Me aguarde! Tá ouvindo, sua sonsa! — berra pisando duro até o quarto para fazer suas malas.
Quando quinze minutos depois a porta da rua se fecha atrás dele, meu mundo desaba e me dou conta do tempo de vida desperdiçado.
São anos de convivência jogados no lixo. Tentando ajustar um homem que nunca quis uma família. Não descobri o que ele queria. Quer dizer, no início ele queria, depois que conseguiu só me desprezou. Era o conforto? Um teto? Por que fui tão burra e não enxerguei a verdade?
Hoje à noite dei largada a uma batalha judicial ao qual sei que tanto nós como Juliete sofreremos muito. Olho a casa vazia e deixo que a represa de lágrimas que contive até esse momento se rompa. Meu peito aperta tanto meu coração que preciso gritar para expelir o ar dos meus pulmões.
Sabia que terminar um relacionamento era difícil. E por tanto tempo arrastei isso tentando lutar pelo relacionamento em nome da nossa menina. Terminar diante de uma traição, roubou todo o meu chão.
Sinto-me uma inútil em pé no meio da sala de jantar vazia. E por longos momentos me vejo como a mulher mais feia e indesejável do mundo.
Ando a passos lentos até a mesa, olhando-a posta com um capricho pouco visto, percebo que demonstra o quão falso foi o nosso relacionamento até agora, e num impulso, agarro e puxo com força a toalha deixando tudo que estava sobre ela vir ao chão. A garrafa de vinho emporcalha o sofá em tom pastel, como a mancha horrenda da minha desgraça.
Vou até o quarto, agarrando e amassando os lençóis com fúria e aos berros, correndo porta afora os lançando na lixeira da frente. Mesmo com a autoestima destruída vou começar uma vida nova, preciso juntar forças para um recomeço. Minha filha precisa de mim forte e corajosa! Estufo o peito e volto para dentro de casa esvaindo as lágrimas que ainda tenho para chorar...
Mais tarde, depois da ira em meu peito ter se aplacado, envio uma mensagem para minha mãe, avisando dos fatos e que preciso ficar essa noite aqui. Preciso pensar no futuro e viver meu luto. Um ciclo que se encerrou e Deus me ajude com um novo melhor!

Meu CEO Protetor Onde histórias criam vida. Descubra agora