CAPÍTULO 6

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SEBASTIAN LATARGE

Assim que saí, liguei para o meu primo, assistente e secretário pessoal Simba, perguntando se a corretora de imóveis aceitou mostrar as casas hoje.
— Fez o que mandei?
— Claro que sim, chefinho. Ou acha que aquela metida aceitaria trabalhar no domingo, mostrando mansões na orla de São Francisco, sem uma comissão extra?
— Ótimo, quero que você nos acompanhe nas visitas.
— Sério? Estava me preparando para renovar meu bronzeado.
— Terá tempo para isso, pérola da Disney. Passo aí em meia hora, esteja pronto.
Ouço a sua bufada na linha e desligo.
No trânsito, em direção a casa do meu primo, lembro de como ele foi o único a me estender a mão quando fiquei sem rumo por causa daquela cobra. Minha família inteira achou que mereci o que minha ex-noiva fez, porque não ouvi quando foram contra o relacionamento.
Desde aquele dia a relação familiar teve uma drástica mudança para mim. Rompi a sociedade com meu pai e despedi Lili da gerência da empresa. As visitas que faço a eles são mera formalidade.
Kássio Latarge, ou como prefere ser chamado pelo nome alterado nos registros, Simba, meu primo, é outro excluído da família.
Pela orientação sexual, meu tio hipócrita, o despediu da própria empresa tecnológica e eu o acolhi. Está cursando faculdade de administração e assim que se formar, ocupará a cadeira de vice-presidente da minha empresa.
Por enquanto, aceitou ser meu secretário pessoal. Mudou-se da Suíça junto comigo, quando falei que voltaria para a Califórnia. Prezo e recompenso a lealdade e Simba é meu amigo leal.
Ao chegar em frente da casa, ele me aguarda na porta com seu óculos de sol a postos.
— Me deve um domingo de praia, primo. Sei bem que não quer ficar sozinho com mulher nenhuma e como sempre eu sou seu salvador. Mas está me devendo.
— Pago minhas dívidas, não se preocupe.
Ao longo do dia, uma série de irritações se acumulou, começando pelo perfume enjoativo da corretora, cujos peitos pareciam desafiar as leis da física ao saltarem da camisa de botão propositalmente aberto.
A habilidade de Simba para questionar detalhes minuciosos sobre cada mansão que visitávamos tornou-se a segunda fonte de desconforto. O preço de sua presença não era apenas figurativo, mas literal. Não havia outro jeito, minha escolha em trazê-lo foi uma medida consciente para evitar mulheres como a senhorita Brown, com fama de se oferecer para os clientes.
Uma faceta que esqueci temporariamente foi o pavor dele por assombrações, revelado em suas constantes perguntas sobre a ficha corrida dos moradores anteriores em todas as residências que a corretora nos conduzia. O principal critério para adquirir uma propriedade, aparentemente, era que nenhum infortúnio fatal tivesse ocorrido enquanto alguém chamava a casa de lar.
Terminei o domingo com uma dor de cabeça enorme e uma majestosa mansão com área de 700 metros quadrados, três andares, uma vista deslumbrante para o oceano, amplos jardins e uma piscina infinita, na praia exclusiva de Carbon Beach. Deveria estar satisfeito e animado, mas o pior é que estava frustrado por não conseguir parar de pensar na pimentinha da noite passada.

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Segunda feira de manhã meu humor está ainda pior.
Entro no escritório com a seriedade que meu cargo exige, mas logo sou agraciado pelo caos organizado que é meu primo. Com seu terno de três peças, ele entra feito um furacão, prepara um café na máquina e se acomoda na cadeira em frente à minha mesa.
— Bom dia, chefinho mal-humorado! — saúda Simba com um sorriso irreverente, seus olhos brilhando com a promessa de mais uma jornada de absurdos. — Vai me contar o motivo do mau-humor ou preciso implorar?
— Não estou de mau-humor. — Minha resposta é acompanhada de um olhar de censura, mas isso não faz diferença alguma para ele.
Enquanto tento disfarçar me ocupando no notebook e e-mails dos relatórios de vendas, ele começa seu monólogo matinal sobre os acontecimentos do dia anterior. Como fui grosseiro com a senhorita Brown e suas análises peculiares sobre o comportamento humano. Especialmente o meu.
— Você precisa se soltar, Sebastian. — dispara, com uma expressão teatral de preocupação. — Se continuar assim, vai acabar sendo o CEO solteirão mais ranzinza do Vale do Silício.
À medida que ele desfia suas observações hilárias sobre o domingo, não pude evitar um sorriso relutante. Simba sabe como encontrar o lado humorístico mesmo quando o meu dia está péssimo.
— A propósito, seu encontro de sábado à noite parece ter sido um sucesso, né? — comenta, fazendo uma pausa dramática. — Vi as fotos nas redes sociais, tinha uma mulher de bocão vermelho ao seu lado em cada foto com os clientes.
A menção ao meu encontro com AnneLiz traz um sorriso involuntário ao meu rosto.
A mente vaga para ela. As risadas, a dança sensual e a boca borrada depois dos nossos beijos são agora lembranças suaves. O que me deixa duro é a lembrança do gosto daquela mulher linda! Puta merda! Remexo o corpo na cadeira estofada tentando uma posição melhor, arrumando minha virilha sob a mesa. Ele, sempre atento aos detalhes, capta a mudança da minha atitude calma.
— Ah, minhas suspeitas estão certas, o Sr. CEO foi flechado pelo cupido! — exclama, fingindo choque. — Já estou preparando meu discurso de padrinho para o casamento.
— Cale a boca, Simba! Era AnneLiz, nossa colaboradora do marketing, foi escolhida para apresentar os clientes para mim. Apenas isso.
— Quem escolheu? O porco do Jason?
— Sim. Pedi para ele a pessoa mais competente do setor — minto, não vou revelar que fui eu quem pediu por ela.
— Hum, competente, linda... Ela é solteira? — pergunta bebendo seu café.
— Sei onde quer chegar, primo casamenteiro, e proíbo qualquer intervenção na minha vida amorosa!
— A qual não existe! Desde que aquela... — uma erguida de sobrancelha é suficiente para que ele não toque no nome de Samantha.
— Desde o fato há seis anos, você não se relaciona com ninguém. No máximo, umas garotas de uma noite para extravasar a tensão, e só. Não pode manter esse coração fechado, primo. Essa AnneLiz é uma excelente candidata para trazer meu priminho divertido de volta.
A lembrança momentânea se dissipa quando recordo que ela não lembra de nossa noite juntos.
— Ei, você está bem? — pergunta ao perceber a mudança na minha expressão. — Parece que levou um balde de água fria.
— Acha que as pessoas podem ter amnésia alcoólica ou é desculpa pra não lembrar dos arrependimentos? — pergunto, quase que para mim mesmo.
— É claro que é possível, na faculdade tenho uma amiga que tem essa amnésia. Ela criou até um blog para postarem os vídeos do que ela fez durante a bebedeira, ela mesma é um meme ambulante, mas a mais popular da universidade. Por que a pergunta? Teve uma dessas.
— Não, nada demais. Vá trabalhar, preciso dar início às conferências desses relatórios.
Uma batida na porta interrompe nossa interação.
— Só um minuto, senhor Latarge está ocupado, aguarde por favor! — Ele avisa de modo afetado.
Rolo os olhos, impaciente.
— Quando te chamei para ser meu assistente, não era pra você abandonar o seu posto e ficar de fofoca na minha sala, Simba.
Ele ajeita o blazer e joga o copo de café vazio na lixeira.
— Não é fofoca, é nossa reunião matinal. Para todos os fins, somos empresários sérios.
— E nós somos!
— Foi o que eu falei, Sebastian. — Deixa um sorriso debochado e vai até a porta.
— Pois não, senhorita. Tem hora marcada?
— Não, mas é um assunto urgente!
A voz da pimentinha me põe em alerta, arrumo a gravata, interessado no que estão falando na porta.
— Como é seu nome?
— AnneLiz Colleman.
— AnneLiz? — Sobre o ombro ele olha em minha direção com seu previsível sorrisinho.
— Se for rápido, tenho certeza de que o chefe vai recebê-la.
— Serei breve.
Ele abre a porta e a fecha assim que ela entra.
Posicionado atrás dela a escaneia de cima abaixo e olha para mim dando uma piscadela. Eu mais discretamente analiso a postura altiva da minha funcionária.
Saia preta um pouco acima dos joelhos e blusa de seda branca com mangas longas e decote v. Sapatos pretos discretos e os cabelos castanhos semi presos. A maquiagem é leve, o batom suave não realça os lábios carnudos, o que me faz recordar instantaneamente aquele vermelho que usou no sábado e o gosto de morango do seu beijo.
Meus pensamentos começam a viajar para o corpo gostoso no assento do meu carro, lembro da nossa noite. Não! Não é nossa noite, porra nenhuma!
— Poderíamos falar em particular por um momento, senhor Latarge?
Entrelaço os dedos sobre a mesa e faço um sinal para Simba sair, ele obedece após um bico teatral atrás de AnneLiz. A sós, ela começa:
— O que eu fiz sábado à noite? Preciso saber!
No fundo, a confusão sobre o que AnneLiz lembra ou não, mexe comigo. Queria que recordasse dos beijos, que desse algum sinal de que eu a afeto. Ela não se insinua para mim, por quê? Será que não a atraio?
— Não fez nada demais. Já disse o que houve.
— Você mentiu! — Mas que topetuda!
— Sente-se, AnneLiz!
Bufando ela obedece, mas insiste na conversa.
— Por que mexeu no meu celular?
— Você mal conseguia falar, quando a coloquei na cama, murmurou sua filha, sua mãe. Precisava avisar que estava bem. Só dizia ‘liga para minha mãe’ o que eu podia fazer? Ligar e dizer: Olha, minha senhora, eu não a conheço, mas sua filha bebeu e mandou avisar que está bem? Decidi que uma mensagem era melhor para não ser acusado de sequestro por uma mãe preocupada.
— Por que não me disse pela manhã?
— Se você não ficasse tão na defensiva como uma foragida, poderia te contar.
Ela estreita o olhar esverdeado como duas fendas afiadas, os lábios apertam visivelmente nervosa.
— Não, você não contaria. — É involuntário minha risada baixa. — Conte-me o que exatamente aconteceu?
— De que adianta saber de coisas que não pode desfazer? Ou voltar atrás?
— O que quer dizer?
Levanto-me e me apóio na mesa quase sentando sobre o tampo para me aproximar, mas não totalmente. Suas bochechas coradas mexem com meu corpo inteiro.
É muito linda, e brava fica ainda mais. Depois de um orgasmo é exatamente assim que gostaria de vê-la. Meu esforço em não ter uma ereção descarada faz doer minhas bolas.
AnneLiz se levanta e me olha nos olhos sem desviar com uma coragem e intensidade que quase me intimidam. Umedeço os lábios, doido pra domar a atrevida.
— Nós ficamos, não é?
— Não exatamente.
— Eu me ofereci para passar a noite com você?
— Não exatamente — prendo o sorriso.
— Eu te beijei?
— Sim.
— Por que você mentiu que não transamos? Não seja covarde, me conte. Não precisa ter medo de que eu queira algo com um homem como você, não quero nada seu, só a verdade.
Eu? Covarde? Que mulher petulante em me desafiar desse jeito! Tiro o meu blazer e volto a me acomodar na minha cadeira, olhando a tela do notebook e dando apenas o desprezo. Não me quer? Também não te quero!
— Você me provocou na pista de dança, te levei para o meu carro, você tirou a calcinha e me puxou como uma desesperada para em seguida roncar como se tivesse tomado um valium.
— Mas que merda! —- Não dou risada, mas a cara dela de espanto é hilária.
— É, uma grande merda, porque você poderia ter a foda da sua vida e adormeceu. Eu te faria lembrar como é ser bem comida. E veja bem, uma oportunidade como aquela, não vai se repetir, um homem como eu não se envolve com uma mulher como você, não foi o que acabou de dizer? — Dessa vez desvio da tela e olho seu rosto, que está pálido como uma folha de papel. AnneLiz engole seco com os olhos arregalados.
— Se era a verdade que queria, isso é tudo. O resto já lhe contei no hotel, se me der licença, tenho páginas de relatórios financeiros para conferir e você tem que começar a fazer jus ao seu salário.
Ela nem sequer se despede, vira as costas e sai pisando duro.
É bom mesmo que vá, pois se não sou homem para ela, AnneLiz não é mulher para mim.
Ela deve ser outra Samantha ou pode ser ainda pior. E jurei não me envolver com mulheres que vão me manipular com falso sentimento e depois enganam e traem. Acabam com nossos sonhos sem qualquer piedade. Vá para o inferno AnneLiz Colleman! 

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