Pedido de casamento

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Capítulo 63

Enid Sinclair

A temperatura chegou aos trinta graus às duas da tarde. O calor me atingiu assim que meus pés tocaram a calçada. Mas isso não me incomodou. Eu podia lidar com calor. Corri durante os meses de junho e julho inteiros — dez, depois treze, depois dezesseis quilômetros por dia, às vezes mais.

Eu não chorava enquanto corria. Eu não pensava e não me questionava. Apenas respirava fundo e colocava um pé na frente do outro. Gomez me ligou no começo de agosto. Quando o nome apareceu no identificador de chamadas, meu coração disparou, reduzindo a velocidade um segundo depois, no momento em que atendi e percebi que não era Wednesday.

— A empresa do hidroavião fez o acordo essa manhã. Wednesday já assinou os papéis. Assim que você assinar, estará tudo certo.

— Tudo bem. — Peguei uma caneta e anotei o endereço que ele me deu.

— Como você está, Enid?

— Estou bem. Como está Wednesday?

— Tentando se manter ocupada.

Não perguntei o que ele queria dizer com isso. — Obrigada por me avisar sobre o advogado. Vou assinar os papéis.

Houve silêncio no outro lado por um segundo e então falei: Por favor, dê um oi para Morticia e os meninos por mim.

— Pode deixar. Cuide-se, Enid.

Naquela noite, enrolei-me no sofá com Boo para ler um livro. Duas páginas depois, alguém bateu à porta. Uma excitação esperançosa me inundou, e senti um frio na barriga. Fiquei imaginando o dia inteiro, depois de falar com o pai dela, se Wednesday iria fazer contato. Boo ficou louco, latindo e correndo em círculos, como se soubesse que era ela. Corri para a porta e a abri rápido, mas não era Wednesday que
estava parada lá.

Era John, com uma caixa nas mãos. Ele tinha uma expressão cautelosa. Seu cabelo louro estava mais curto do que de costume, e havia algumas rugas sob os olhos, mas, se não fosse isso, parecia o mesmo de anos atrás. Boo cutucou suas pernas, farejando e rodeando.

— Sarah me deu seu endereço. Encontrei mais algumas coisas suas e pensei que talvez quisesse de volta. — Ele olhou por cima do meu ombro, tentando ver se eu estava sozinha.

— Entre. Desculpe-me por nunca ter ligado. Foi grosseiro da minha parte.

— Tudo bem. Não se preocupe. — John colocou a caixa na mesa de centro.

— Você quer beber alguma coisa?

— Claro — aceitou ele.

Entrei na cozinha, abri uma garrafa de vinho e servi a cada um de nós uma taça. Minha escolha de bebida refletiu mais minha repentina necessidade por álcool do que meu desejo de ser hospitaleira.

— Obrigado — disse ele quando lhe entreguei a taça.

— De nada. Sente-se.

Ele espirrou duas vezes. — Você sempre quis ter um cachorro.

— O nome dele é Boo.

Ele se sentou na cadeira na frente do sofá. Coloquei minha taça na mesa de centro e comecei a tirar os itens da caixa. Era como ver minhas roupas penduradas no armário do quarto de hóspedes de Sarah. Coisas que eu tinha quase esquecido, mas que reconheci imediatamente assim que as vi de novo.

Tirei o elástico de uma pilha de fotos. A que estava em cima era de mim e John parados na frente da roda-gigante do Navy Pier, abraçados, ele beijando meu rosto. Debrucei-me sobre a mesa de centro e entreguei a foto a ele.

— Olhe como éramos jovens.

— Vinte e dois anos — disse ele.

Havia fotos de férias e outras com nossos amigos. Uma foto da minha mãe e outra de John na frente da árvore de Natal. Uma dele segurando Chloe no colo, no hospital, algumas horas depois de Sarah dar à luz.

Olhar as fotos me lembrou da história que eu vivera com John e de que boa parte daquela história tinha sido boa. Nós havíamos começado com tantas promessas... Mas depois nosso relacionamento se estagnou, arrasado pelo peso de duas pessoas querendo coisas diferentes. Coloquei o elástico novamente nas fotos e as pousei na mesa.

Tirei um par de tênis de corrida velho. — Esses já rodaram alguns quilômetros.

O item seguinte, um CD de Hootie & the Blowfish, me fez sorrir.

— Você colocava isso para tocar constantemente — disse John.

— Não zombe de Hootie. — Havia alguns livros de bolso. Uma escova e um prendedor de cabelo. Um vidro meio vazio do perfume CK One, meu cheiro durante a maior parte da década de noventa.

Meus dedos roçaram algo perto do fundo da caixa. Uma camisola. Olhei o tecido preto transparente e me recordei de uma lembrança enevoada de John tirando-a de mim no meio da noite, pouco antes de eu sair de Chicago.

— Encontrei quando troquei os lençóis. Nunca lavei — disse ele, suavemente. Procurando lá dentro uma última vez, encontrei uma caixa forrada de veludo azul. Gelei.

— Abra — pediu John.

Levantei a tampa. O anel de brilhante reluziu. Sem palavras, inspirei profundamente. — Depois de deixar você no aeroporto, me dirigi até uma joalheria. Eu sabia que, se não me casasse com você, eu ia perdê-la, e eu não queria que isso acontecesse, Enid. Quando Sarah me ligou para dizer que o avião havia caído, segurei o anel e rezei para que encontrassem você. Então ela me ligou e disse que você foi dada como morta. A notícia me arrasou. Mas você está viva, Enid, e eu ainda a amo. Sempre amei e sempre vou amar.

Fechei a tampa com força e arremessei a caixa na direção da cabeça de John. Com reflexos surpreendentemente rápidos, ele aparou o golpe, e a caixa quicou em seus braços e rolou pelo chão de madeira.

— Eu amava você! Esperei oito anos, e você me enrolou até que minha única opção fosse me afastar!

John se levantou da cadeira. — Nossa, Enid. Pensei que você quisesse o anel.

— Nunca foi uma questão de anel.

Ele atravessou a sala e parou na porta. — Então é por causa da garota?

Estremeci à menção de Wednesday. Levantando-me, me aproximei, peguei o anel no chão e o entreguei a ele.

— Não. É porque eu nunca me casaria com um homem que só me pediria em casamento porque achava que tinha de fazer isso.

Na manhã seguinte, fui até o escritório do advogado, assinei os papéis me comprometendo a não processar a empresa do hidroavião e peguei o cheque. Depositei-o no banco a caminho de casa. Sarah ligou para o meu celular uma hora depois.

— Você assinou os papéis?

— Assinei. É muito dinheiro, Sarah.

Se quer minha opinião, um milhão e meio não é nem perto do suficiente.

On The Island | Wenclair AuOnde histórias criam vida. Descubra agora