─── ・parte dezesseis 。゚☆: *.☽

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Um padre havia sido morto no dia anterior, porque, em 15 de novembro do último ano, 1967, se recusou a celebrar uma missa em nome da proclamação da república. Ele alegou que uma república de verdade garantia direitos humanos e qualidade de vida para as pessoas. Os militares não gostaram nada disso, deixaram o homem preso por pouco mais de quatro meses, sendo torturado. As ruas estavam uma loucura. Pessoas revoltadas, de todas as classes, estavam prontas para marcharem contra o sistema. Até a polícia montada estava a postos em quase todas as esquinas, pronta para intervir caso as coisas saíssem do controle. Malthus estava ali no meio, junto com alguns monges que despiram de suas batinas por um dia, cheios de ódio. A polícia estava se aproximando, o que deixou as pessoas ainda mais agitadas. Um guarda o empurrou, o que fez o crucifixo, que usava em seu pulso, cair. Ele se abaixou para recuperar, não queria perder aquele presente da mãe e encontrou um tamanco jogado no chão ao lado. Malthus o pegou, curioso e, ainda abaixado, olhou ao redor, sentindo um baque em seu peito ao ver uma moça, gritando, revoltada, com alguns guardas.

Ele se levantou, fazendo esforço para respirar e a encarou, milhares de imagens passando por trás de seus olhos. Ela deve ter percebido, em algum momento, que estava sendo observada, pois parou e o olhou de volta. Malthus pode ver o choque no rosto dela e ela se aproximou, mancando levemente por conta do sapato perdido. Ele podia sentir seu coração batendo tão rápido que parecia querer sair de dentro de seu peito e se aconchegar ao lado do coração dela, no local ao qual pertencia. Doía olhar para ela, demais, tanto que seus olhos estavam cheios de lágrimas. Quatro anos passaram voando naqueles segundos que ela o observava e ele mergulhava naquele poço azul que eram seus olhos, sem saber se ela estava feliz por vê-lo ou se estava amaldiçoando aquele momento.

Então ela sorriu, aquele sorriso cheio de covinhas e todo inocente que ela só dava quando estava verdadeiramente feliz e qualquer dúvida que ele pudesse ter se dissipou.

— É ocê mesmo? — ela perguntou, o olhando de cima a baixo.

— Sim — ele murmurou. — Oi.

— Santo — ela sussurrou. E, com uma única palavra, ela foi capaz de fraquejar suas pernas. Ele não tinha onde se apoiar e estava com medo de que fosse capaz de cair. Embora, se acabasse despencando, poderia ser em cima dela, que passaria seus braços ao redor dele, o que já tornava a ideia tentadora. O único ponto contra é que poderia acabar machucando ela.

Ninguém mais o chamava daquele jeito fazia anos, mas com ela, de alguma forma, era especial.

— Aí está você! — alguém gritou atrás dela, agarrando-a pelo braço e puxando, mas ela se manteve firme, fazendo a pessoa parar e olhar para os dois. — Ah, que ótimo — ela resmungou, olhando para Malthus. — Seu namorado é lindo, Hilda, mas agora realmente não é hora. Temos que ir.

Ela deu mais um puxão que fez o ombro dela ir para trás e ele foi tomado por um impulso de afastar Hilda daquela mulher, que, mesmo sem ter intenção, estava machucando ela. Mas a palavra namorado estava martelando em sua mente, assim como o coração estava martelando em seu peito.

— Rua Santa Luzia, número 206 — ela falou, colocando uma mão sobre a dele, fazendo um choque elétrico percorrer seu corpo. — Sou enfermeira lá, na maternidade da Santa Casa de Misericórdia. Acho que nunca tive tempo de te contar, mas eu adoro crianças — ela abriu outro sorriso. — Estou no plantão noturno hoje, mas saio às 6:00 da manhã. — Ela apertou sua mão, olhando fundo em seus olhos. — Eu realmente preciso ir.

Era um convite? Deus, por favor, que ela esteja me chamando para ir encontrá-la.

Ela finalmente se deixou levar pela amiga, mas mal deu três passos e um guarda, em cima de um cavalo, as parou.

— Senhorita Müller — ele disse olhando-a como se já a conhecesse, com um sorriso de canto de boca, o que fez com que Malthus tremesse de ciúme. — Não deveria estar no trabalho?

A amiga bufou, o que fez com que o guarda olhasse para ela.

— Já estamos indo.

— Senhorita Lopes — ele a cumprimentou. — Dentro de quinze minutos vou passar na recepção da Santa Casa e perguntar se as duas chegaram. Entenderam?

— Sim — elas resmungaram.

— Senhorita Müller — o guarda chamou novamente e Malthus queria socá-lo. Ela o olhou com superioridade, embora quem estivesse acima dela fosse ele. — Vai trabalhar com esse sapato?

Hilda olhou para baixo, para o único tamanco que restava no pé e o arrancou, voltando para buscar o outro pé que ainda estava com Malthus. Ela sorriu e sussurrou o horário que saía novamente, então se virou e agarrou a mão da amiga, saindo correndo.

O guarda as observou até virarem a esquina, depois voltou sua atenção para Malthus.

— Você também. Não te conheço, o que significa que não é dessas redondezas, então pode ir indo embora. — Ele avançou o cavalo na direção dele. — Circulando! — gritou. — Todo mundo circulando. Antes que precisemos usar gás!

Like a prayer.Onde histórias criam vida. Descubra agora