NAS ESQUINAS, NOS BARES.

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Às uma hora e cinquenta e cinco minutos da madrugada Cassandra tirou a motocicleta da garagem. A mulher estava banhada, perfumada e pronta para o seu compromisso. A moto era uma cento e cinquenta cilindradas, simples, preta, que ela usava para compromissos banais de seu cotidiano. Conferiu se estava com os documentos guardados em sua carteira de couro marrom que estava no bolso da jaqueta preta, também de couro. Pegou o capacete extra e trancou a discreta casa acinzentada, onde morava. Nada ali chamava atenção, para seu agrado.

A investigadora cumprimentou a vizinha idosa que gritava com o cachorro fujão. Sempre acontecia aquela cena quando o filho da senhora chegava do trabalho: o cachorro caramelo, de pequeno porte, corria até a esquina e voltava. Fubá, era como se chamava o animal. Galgava a rua como um tiro, experimentando suas pequenas doses diárias de adrenalina e liberdade. Ela passeava com o cão direto, mas a coleira é uma condicionante do posto de estimação.

— Vigílio chegou tarde outra vez? — Cassandra perguntou casualmente. Para os horários de Jataí, era tarde, uma idosa já estaria dormindo.

— Chegou, menina. Está fazendo hora extra, precisa ver a canseira! Nem dorme direito. Hoje nem quis jantar. — A senhora de baixa estatura segurava o portão aberto com uma mão, a outra estava posicionada na cintura, demonstrando a indignação de sempre. Vestia uma camisola simples, de algodão, de comprimento até o joelho, com estampa de ovelhas coloridas. O cheiro dela era uma mistura de pomada mentolada e desodorante de catálogo.

— Logo ele consegue vencer essa luta. — Cassandra apoiou, mais por consideração pela idosa.

— Com fé em Deus! — A idosa fez o cão entrar e acenou em despedida antes de fechar o portão.

Cassandra se despediu com um gesto de cabeça, deu partida na moto e saiu pilotando rumo ao encontro eventual. Cortando o ar fresco da madrugada na velocidade máxima que podia atingir nas ruas vazias.

Fernanda saiu do serviço no dito horário, com o coração pesando de ansiedade no peito. Colocou tanta expectativa naquele encontro que inevitavelmente começou a se sentir insegura. Despediu-se dos colegas de trabalho enquanto recusava caronas e companhia. Ao se ver esperando por alguns minutos, teve medo de que Cassandra estivesse apenas brincando consigo e que não comparecesse. Sentiu o estômago embrulhar ao experimentar uma imaginária quebra de expectativa. O cansaço da jovem trabalhadora ficou mais estampado em seu rosto diante daquele vislumbre de tristeza. Sentiu seus pelos do braço, descoloridos, se eriçarem quando uma lufada de vento gelado atingiu seu rosto.

Todo o castelo de dúvidas e incertezas desmoronou em um estrondo de júbilo silente quando ela viu a motoqueira dobrar a esquina, seguindo em sua direção. Foi feliz com o pouco que era uma palavra mantida; uma promessa não quebrada. Cassandra parou à beira da calçada e acenou sem tirar o capacete. Fernanda abriu um sorriso largo, transparecendo a sua alegria em cada milímetro de rosto. Exorcizando o cansaço mental enquanto o coração dava solavancos na caixa torácica.

Fernanda se aproximou da moto em silêncio, pegou o capacete que Cassandra estendia para si, e montou na garupa. Abraçou a cintura da investigadora e explicou onde ficava o endereço.

A piloto obedeceu às instruções e seguiu até a casa que ficava próxima dali. Observou, enquanto ia para o lugar, que as ruas estavam muito vazias e escuras. Alguns postes tinham suas lâmpadas quebradas e as calçadas eram muito irregulares, com árvores que dificultavam muito a visibilidade em certos pontos. Refletiu que a moça da lanchonete percorria aquele percurso perigoso todos os dias. Felizmente a cidade era um pouco tranquila, mas isso não significava que ela estava em segurança.

Cassandra estacionou na porta, ao lado da calçada. Fernanda desceu do veículo e abriu o portão, que dava acesso para uma garagem estreita. A jovem acenou para que ela guardasse a moto lá dentro, provavelmente para evitar furto e fofocas. A investigadora obedeceu, tirando o capacete quando já estava dentro da garagem e descendo da moto em seguida.

Assassinato no Parque BritoOnde histórias criam vida. Descubra agora