Sai do chuveiro, e vesti um vestido verde claro que segundo minha mãe, realçava meu tom de pele. Desci as escadas em direção a cozinha, me servi de uma xícara de café, e fui até a varanda, sentei em uma daquelas cadeiras que fica balançando para frente e para trás e fiquei observando minha mãe no jardim colhendo alguns crisântemos - suas flores favoritas - Ela corta os caules com uma tesoura, tomando todos os cuidados possíveis, depois as cheira e ponha as flores em uma cestinha que tinha em sua mão.
- Tem pães de amora em cima da mesa. - me disse assim que percebeu que eu a estava observando - Vá comer, você não come nada desde ontem.
Ela tem razão, eu sei que tem, mas mesmo assim, como se não tivesse ouvido, fico no mesmo lugar, e dou um pequeno gole em meu café, ele já está ficando frio, mas bebo do mesmo jeito.
Com sua cestinha cheia de flores. Ela vem até mim e se senta em um banco à minha frente. Ela olha para mim por, ao que parece, muitos minutos, e então volta sua atenção às flores, e novamente mais alguns minutos se passam.
Eu não sei o motivo de ela estar assim. Olhando as flores ela começa a chorar, mas nenhum som sai, só sei que está chorando pois suas lágrimas caem sem parar de seus olhos e descem pelo seu rosto até o queixo. Posiciono minha xícara no chão ao meu lado, e pego suas mãos sem saber o que fazer.
Nunca tinha visto minha mãe chorar, nem no funeral do meu pai, nem em qualquer outro lugar, era ela quem me aconselhava e falava baixo o quanto me amava e que eu nunca estaria só. E mesmo assim vendo minha mãe chorar na minha frente eu não sabia o que fazer.
Mas antes de tentar falar qualquer coisa que pudesse ajudar, ela se levantou, enxugou suas lágrimas, e entrou em casa como se nada tivesse acontecido. Indo atrás dela, vi quando pegou um vaso, o encheu de água até a metade e colocou as flores, posicionando o vaso no centro da mesa.
- Mãe, eu...
- Não. Não diga nada, estou bem, tudo vai ficar bem, nós vamos ficar bem. Não foi o que você disse hoje cedo?
Sem saber o que dizer, com um movimento, assenti.
Me olhando, ela pegou um pão de amora e ofereceu para mim com um gesto. Andei até ela e peguei, dei uma mordida no pão enquanto ela sentava em uma cadeira, respirando fundo começou a falar:
- Eu peço desculpas, sei que fui rude com você e não quero ser assim, não sou assim.- Olhando para seus pés ela junta as mãos ao colo e levanta a cabeça para mim.
- Quando seu pai morreu... - Faz uma pausa - Eu me senti impotente, traída, inofensiva... eu não sabia o que fazer.
Puxei uma cadeira e me sentei ao seu lado. Seus olhos estavam avermelhados por conta do choro.
- Você matou a pessoa que fez aquilo com o papai, né?
- Sim, mas foi preciso.
Eu não tinha certeza se era mesmo preciso matar aquela criatura, mas esse não era o momento certo para começar uma discussão de certo e errado.
- Eu não quero perder você minha princesinha. - Disse sorrindo para mim.
- Você não vai me perder.
Ela assente, então se levanta e me encara.
- Mãe, eu posso te perguntar algo? - Há tempos quero uma resposta para minha questão, que me atormenta sempre que penso a respeito. E o olhar de minha mãe no momento sugere que eu fale algo.
- Claro, porque não poderia?
- Quantos seres mágicos existem? - Sempre penso nisso, se minha mãe e meu pai são mágicos, talvez existam muitos outros como eles. Eu não nasci mágica, não tenho nenhum poder, sou completamente simples e inútil. Uma criatura nascida da magia, mas, não tendo magia.
Ela olha para mim espantada, como se eu tivesse acabado de cometer um assassinato. Balançando a cabeça de um lado para o outro ela diz em um tom meio nervoso:
- Não existem mais ninguém, e, não faça mais essas perguntas.
- Por que não? Se você é mágica, o papai também era, talvez tenha muitos de nós e...
- Não! - Ela me interrompe com um grito e levantando a mão, me dá um tapa na bochecha que sinto esquentar no mesmo instante.
Eu estava acostumada às suas mudanças de humor constantes, ela sempre foi levada pelo momento, e se deixava levar, principalmente quando alguém discorda dela, sempre foi assim. Minha mãe e papai sempre acabavam brigando por conta disso.
Mas mesmo com o costume, ainda fiquei demasiadamente surpresa com o tapa que me deu.
Olhando para mim ela disse em um tom de acusação e talvez até com um tom de nojo.
- Vá para seu quarto agora e jamais pense nisso outra vez, está me ouvindo?
A forma como ela falou comigo doeu muito mais que seu tapa. Como se eu tivesse feito algo horrível e imperdoável. Olhei para suas mãos e pude ver que ao redor delas uma névoa amarela - sua magia - estava aparecendo, e de repente um medo percorreu meu corpo e sem pensar duas vezes gritei:
- O que vai fazer?!
- Vá para o seu quarto, estou lhe avisando, eu posso acabar te machucando se você me estressar um pouco mais.- Sua raiva era palpável em cada palavra que saia de sua boca. - Não me desobedeça.
- Está me ameaçando!? - Ao mesmo tempo que ela, minha raiva transbordou, e comecei a falar sem pensar - Vai jogar um feitiço em mim e me matar como fez com aquela criatura? - Eu estava gritando muito alto e sei que ela não gostou do meu tom apenas olhando sua expressão facial. - Sabe, acho que entendo você. Vamos! Mate a humana inútil que você chama de filha!
Saio da cozinha correndo, passando pelo jardim as lágrimas começam a escorrer pelo meu rosto, mas continuo correndo até não saber mais onde estou. Minha mente não consegue entender nada. Porque ela não veio atrás de mim? O que ela está escondendo? Por qual motivo eu não devo saber do povo mágico? Será que existe um povo mágico?
Caio de joelhos no chão e olho ao redor com a vista embaçada pelas lágrimas. Não sei onde estou, eu devo ter corrido por cerca de vinte minutos sem parar, minhas pernas doem, meu coração está acelerado e estou tão ofegante que tenho que focar na minha respiração antes de raciocinar como que vou voltar para casa, e se eu vou voltar para casa.
Quando me acalmo, levanto e vejo um riacho a uns cinco metros de mim, vou até ele e junto as mãos em forma de uma concha e lavo meu rosto e bebo um pouco d'água. Olhando meu reflexo, vejo uma garota ruiva de olhos azuis, seus cabelos estão bagunçados e ela parece estar com medo de algo. Então fico olhando meu reflexo por alguns minutos e escuto passos atrás de mim, mas antes que eu possa ver quem é, um pano é colocado sobre meu nariz e boca, sinto o cheiro de clorofórmio.
Tento me desvencilhar do aperto, mas, sem sucesso, acabo sentindo minha visão ficar turva e desmaio.
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Terras do Norte.
FantasyKyra é apenas uma garota de dezesseis anos, sua família esconde segredos dela, e muitos ela terá de descobrir sozinha. Ao chegar no mundo mágico, Kyra se sente deslocada, sua magia ainda não se manifestou, e as Terras do Norte precisam de sua ajuda...