CAPÍTULO 1

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BASEADO EM GÊNESIS 23: 3 – 20
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Abraão passava todos os momentos que podia chorando junto ao corpo de Sara. Eram mais de sessenta anos de casamento. Desde os seus dez anos ele não sabia o que era viver em um mundo onde Sara não existisse. Tantas histórias, tantas alegrias. E essa era a pior parte do que a morte tinha tirado dele: as possibilidades. O pobre velho chorou com amargura.

— Meu senhor, permita-me aconselhá-lo.

Eliézer se aproximou do pai da fé. A única resposta que recebeu foram olhos tristes e vermelhos iluminados por candeeiros. Ele entendeu isso como permissão para prosseguir.

— Meu senhor, minha vida inteira eu amei o senhor como meu pai e odeio vê-lo sofrendo. Por isso, lhe falo como o filho que sei que o senhor me considera. Eu sei que dói, mas é hora de achar um lugar para que o seu corpo descanse. Já fazem quatro dias. Não há mais nada que se possa fazer. Deixe que ela descanse. O senhor tem algum lugar em mente para começar o processo?

A voz rouca e envelhecida de Abraão soou pelo cômodo mal iluminado.

— Macpela.

O servo deu um sorriso curto e compreensivo que Abraão não enxergou.

— Boa escolha. Vou preparar tudo para a minha viagem, voltarei...

— Não. — Abraão o interrompeu. — Eu e meu filho a faremos. Será nosso último presente para a minha doce Sara. Deixe tudo preparado. Partiremos antes do amanhecer. Convoque outros dois homens. Separe mil siclos e peças caras de roupa. Ela merece tudo isso.

— Como quiser, meu senhor.

O servo se curvou e estava se retirando quando Abraão o chamou uma última vez.

— Eliézer?

— Diga, meu bom patrão.

— Obrigado. Que Deus o abençoe pelo seu cuidado com a minha família. Você realmente faz parte dela.

Eliézer sorriu e se foi levando consigo a luz da sua candeia. Abraão então foi deixado para chorar com o seu Deus pelo resto da noite. Nunca mais veria o rosto de sua esposa ou ouviria a sua voz. Nesse momento tudo o que queria era o abraço consolador da rainha do seu coração.

— Adeus, minha doce Sara.

...

O sol nem tinha levantado completamente e Abraão e Isaque estavam a caminho da Cidade dos Heteus. Era cedo demais e o polo comercial mais agitado de Hebrom já estava irritantemente desperto.

Eles nem haviam passado pelos portões da cidade dos heteus e o príncipe mais novo já ouvia a baderna. Homens e mulheres, fossem honrados ou de índole questionável, fossem altos ou baixos, velhos ou novos gritavam sobre suas especiarias, joias e tecidos caros.

Tecidos. Argh.

No momento Isaque não queria nem mesmo ouvir essa palavra! Acontece que o homem saiu agasalhado demais no frio da noite e agora a temperatura estava esquentando muito rápido. Camadas e camadas de roupa estavam prestes a sufoca-lo.

Como eu pude? Pensou. Um príncipe dessa terra se descuidando com as roupas. Conheço essa região como a palma da minha mão e cometi esse erro primário. Que dia.

Creio que não preciso mencionar que o seu humor não se achava dos melhores.

A morte de Sara, sua mãe, tinha mexido muito com sua cabeça. Iniciou aquele dia determinado a não chorar. Ela odiaria ver o filho chorando e ainda mais por sua causa!

O Cântaro e o DesertoOnde histórias criam vida. Descubra agora