Capítulo 8

7 2 0
                                    

Acordo com um peso na minha cintura e uma respiração próxima ao meu ouvido, então me lembro da noite passada e do pesadelo, vulgo passado. Tento me levantar calmamente, mas ele me puxa pra perto dele e acorda
-Bom dia – ele diz com a voz rouca de sono, juro, isso me fez esquecer momentaneamente quem eu sou e onde eu estava.
-Bom dia – respondo
-Melhor da dor de cabeça? – ele abre os olhos
-Sim – respondo – obrigada
-café? – ele sorri e eu concordo. Nos levantamos e enquanto eu fazia minha higiene matinal, ele foi fazer café. Ao chegar na cozinha eu sou calorosamente abraçada pelo aroma do café
-O que você quer pro café? Panquecas, ovos...?
- o que tiver – digo sorrindo e logo ele me serve de uma boa dose de cafeína
-Achei que você iria beber todas as garrafas de vinho, mas sobrou duas ainda – ele riu, eu sei que não foi a intenção dele, porque ele não sabe o que me motivou a beber tanto, mas me lembrar disso me causou desconforto – desculpa, eu não quis te deixar triste – ele fala ao me ver
-Tudo bem, você não sabia.
-panquecas então – ele fala mudando de assunto e eu agradeço isso, tentando sorrir – você nunca falou da sua família – ele solta essa enquanto pega os ingredientes
-Bom, minha família é doida – solto uma risada ao lembrar deles e de repente me bate uma saudade – se juntar eu, meu pai, minha mãe e minha irmã no mesmo ambiente, é esperar o espetáculo começar, porque vira um circo – ele ri – eu tenho uma irmã sete anos mais velha, ela é casada e tem uma filha de um ano e meio – sorrio babona ao lembrar da minha sobrinha – inclusive – me lembro de uma coisa, pego meu celular na sala e abro a mensagem com a minha irmã e levo até o Gabriel – essa é ela – mostro uma foto
-meu deus, que fofa – ele sorri
- e esse é um vídeo que a minha irmã me mandou ontem
"-da oi pra tia Claire (minha irmã)
-Tia Clé (ela escuta e vem no sofá onde minha irmã está) Clé Tia Clé (ela manda um beijo e fica procurando no celular) Clé"
-Meu deus, ela é muito linda – ele diz e eu quase choro de saudade
-Sim – digo voltando a me sentar
Pouco depois as panquecas estão servidas com geleia e calda. Ajudo ele a colocar a louça na lavadora e a lavar e secar o que não coube, já que era a de ontem também. Penso ser a hora de contar a ele o por que de ter bebido tanto
-Desculpa ter bebido quase todas as garrafas de vinho e desculpa ter estragado a festa – digo sincera, começando e controlando o choro
-Ei, está tudo bem – ele se vira pra mim, secando a mão no pano que eu segurava – seja lá o que aconteceu naquela ligação, eu entendo que você queria esquecer. E você não estragou nada, já estava na hora deles irem, ou isso aqui ia virar um acampamento de bêbados – ele sorri
-Obrigada, por tudo, mesmo. É só que é difícil pra mim...eu quero falar, preciso falar – disse e ele segurou minha mão e me levou pra sala, sentamos no sofá. – Não sei se lembra que eu te falei que a Maria disse que essas eram as minhas férias merecidas
-Lembro, você disse isso enquanto tomávamos sorvete
-Sim. Bom, basicamente, pra encurtar tudo...eu trabalhei quase dois anos em uma empresa que só me sugava, suga todo mundo lá na verdade, mas enfim, eu não havia percebido o quanto até umas semanas atras. Eu tive burnout leve por causa daquela empresa, além de ter sido exposta ao meu ponto mais fraco. Confiei à chef um segredo que ninguém mais sabia, pouco tempo depois, quando ela me viu como uma ameaça para o cargo dela, coisa que eu não queria, pois já havia liderado a mesma cozinha um tempo antes dela, ela usou o meu ponto fraco contra mim. Ali é que tudo começou a fazer sentido na minha cabeça. Mas ainda assim ignorei. Fui ficando doente e mais doente, mas não parava de trabalhar nenhum dia, até na minha folga eu tinha que ir. Até que no meu aniversário, as minhas amigas me mostraram o quanto aquele lugar estava me danificando e eu comecei a fazer o que podia dentro do meu horário, e aquilo gerou desconforto para eles, e então eles começaram a me tratar mal, então eu fiquei pior do que já estava. Pedi as contas, mas eles não aceitaram, não tinham como contratar uma confeiteira na situação financeira em que estavam e eu também era a melhor que eles tinham e eu sabia disso, eles sabiam disso. Ai sim, fiz meu mínimo, porque eu estava muito mal, fiquei com sinusite terrível e não fui trabalhar, uns dias depois eles me demitiram e eu dei graças. Mas, eles não vão pagar o que me devem por enquanto e talvez por um bom tempo. Por isso fiquei mal ontem, o responsável financeiro daquela empresa me ligou e falou que eles não vão pagar. O meu pesadelo foi do meu ponto fraco e todos os dias eu tento voltar a ser quem sempre fui e quem você viu até o momento, mas as vezes, simples palavras se tornam gatilhos para mim, porque ainda não superei isso, eu sei que é questão de tempo, de deixar ir, de me libertar, mas as vezes é difícil – digo sincera, de uma vez, segurando o choro, não queria chorar mais por causa disso.
-nossa – ele diz serio – você nem imagina a vontade que eu to de socar a cara do dono dessa empresa
-imagino, porque eu sinto essa vontade toda hora – digo – você nem imagina quantas vezes e de quantas formas eu já imaginei matando ele, fazendo ele sofrer, queimando ele vivo – digo me recordando de algumas
-uau, deu ate medo – ele disse levemente brincalhão
-pois deveria, eu sei dar um belo soco – digo e ele ri
-Aham, igual deu no Dante ne – ele gargalhava
-Em quem?
-Ah, você não lembra – ele se recompõe – quando decidimos ir embora da festa, eu disse a você que ia me despedir do meus amigos e você disse que me esperava na porta de saída, quando eu cheguei na porta você não estava lá, estava mais pra frente. Só que tinha um cara te incomodando e você disse "Não", mas ele insistiu e você deu um soco nele, de fato – ele riu – mas nem chegou a mover ele do lugar – ele riu e eu fiquei em choque
-Ele fez algo comigo? – perguntei assustada
-Não, eu não deixei, dei um soco na cara dele pra ele se afastar e esse soco sim afastou ele – ele riu
-rá rá muito engraçado – fingi ter ficado brava
-não se preocupe, garanto que se você não estivesse bêbada teria sido um belo soco, e continuo com medo desse seu soco – ele debochou
-continue assim e verá esse soco antes do que imagina
-ok, parei – ele segura o riso e então eu noto que nossas mãos estão juntas, ele segura as minhas mãos entre as dele e eu as olho fixamente por um momento, vendo aquelas veias a mostra, aquelas mãos grandes...de repente o seu cheiro me invade e caio em consciência, tudo que eu não lembrava, agora veio...era ele...
-voce...- tudo que consigo dizer, ainda do mesmo jeito,
-eu...?
-era você – digo calma e baixo , ainda processando
-voce lembrou... – ele suspira
-como? Eu to confusa
-olha, eu sei que parece estranho, mas você se lembra do que eu falei? – concordo com a cabeça – é estranho, mas é verdade. Eu...- não o deixo falar mais nada, eu junto nossos lábios e ele corresponde na mesma hora.
-wow – ele diz após nos separarmos por falta de folego – ainda melhor que o primeiro – ele ri e eu o acompanho
-então...é estranho, um estranho bom – digo rindo
-sim, mas...quero te falar uma coisa – ele fica sério
-se você me disser que tem namorada eu juro que te dou aquele soco
-não – ele ri – não tenho. Mas acho o amor uma distração e não quero nada sério – ele diz
-Tudo bem, eu também não, sabe, estou me recuperando do burnout e não tenho espaço para mais uma decepção – brinco e rimos
-Amigos coloridos?
-Amigos coloridos – selamos o acordo com um beijo
-Mas – ele diz entre o beijo – eu tenho que ir – finalizamos o beijo com selinho – eu tenho uma reunião de trabalho daqui a pouco, te deixo no hotel antes da reunião, pode ser?
-pode – concordo
-vou tomar um banho e me arrumar, fica a vontade – ele diz e some no corredor
Gostei, amigos coloridos. Enquanto ele se arruma, verifico as mensagens e respondo todas elas, não mencionando a ninguém que eu estava na casa do Gabriel e muito menos nossa atual situação, isso eu falo em outro momento, porque sei que elas vão me ligar para saber detalhes.
Olho as redes sociais e pouco depois um Gabriel totalmente elegante me aparece na sala
-uau – digo a ele
-já que esta com o celular na mão, vamos tirar uma foto?
-eu estou horrível – digo a ele
-não está não, vai – ele insiste e acabo cedendo e tiramos algumas fotos.
Descemos o elevador para a garagem e entramos no carro, dessa vez a situação era outra, estávamos de rolo e eu gostava disso, ele me deu o celular para colocar música e assim o fiz, em seguida, ele juntou nossas mãos e dirigiu assim, nem ousei reclamar. Ele me deixou na porta do hotel com a promessa de me buscar mais tarde para jantar.
Resolvi ir ao SantAnna Beach Club listado no guia da Maria, com uma observação de passar o dia no lugar. Cheguei lá e após um interrogatório de perguntas para o cadastro, consegui agendar um dia de spa para mim, iniciando na massagem com pedras quentes, duas horas relaxantes beira mar para bronzeamento monitorado, manicure, pedicure e claro, champagne a vontade. Na metade da tarde, com tudo pronto e me sentido renovada, vou até a cafeteria do Rob.
-Jovenzinha! Que bom vê-la! Café com ouzo, certo? – ele diz de uma vez só não me deixando falar, o que me arranca uma risada enquanto concordo com a cabeça
-Oi Rob, bom vê-lo também. – digo e ele traz meu café
-Vejo que seu brilho voltou – ele comenta
-Sim, passei o dia no SantAnna – disse bebendo um gole do café
-Adoro aquele lugar, o mar é tão azul quanto no restante da Ilha, mas a energia de calma daquele lugar, não tem preço
-Não mesmo. Mas também tenho outra novidade – vejo-o se inclinar para ouvir atentamente
-Diga – ele diz baixo como quem vai contar um segredo
-Lembra do rapaz que me convidou para a festa que mencionei? – ele concorda – estamos oficialmente como amigos coloridos – disse sorrindo e ele me acompanhou
-Que bom! Mas por que não estão namorando? Esses jovens de hoje em dia! – ele brinca com falsa melancolia
-Porque nem eu e nem ele, queremos algo sério, até porque logo eu volto para o Brasil, não adianta me prender por alguém
-E por que não fica na Grécia?
-Não é má ideia, mas não me vejo morando aqui, ainda quero morar na Inglaterra, lá sim, eu sinto que é meu lar
-Por quê?
-Não sei, apenas sinto. Nunca fui para lá, mas é como se já estivesse estado lá. Loucura, eu sei
-Nem sempre. Algo te puxa para lá e com alguma razão, atualmente desconhecida por você, mas muito familiar para Deus – ele sorri – vamos para a lição?
-Sim, por favor – digo me preparando mentalmente para o baque
- Nada é por acaso, tudo acontece por um motivo e do jeito e na hora que tem que acontecer. Se você passou pela dor, foi para aprender algo, se você passou pela vitória foi porque você persistiu. Assim como você se sente puxada à Inglaterra sem um motivo, na hora certa saberá o motivo. Assim como você passou pelo que passou, foi para extrair alguma lição, ou algumas, das quais agora você pode não saber ou não ter certeza dos "por quês", mas que lá na frente fará sentido. – ele finalizou e eu com lágrimas nos olhos, agradeci sorrindo levemente – Ah, e amanha entra no cardápio o café com laranja – ele da uma leve piscada para mim, me arrancando um belo sorriso – minha mulher achou dos Deuses esse café – ele riu e pouco depois me despeço dele, voltando para o Hotel. O que no caminho passei por algumas lojas e comprei algumas coisas, como roupas, sapatos e uma mala nova para carregar tudo que comprei aqui. Voltei em tempo curto para me arrumar para o jantar.

RenascerOnde histórias criam vida. Descubra agora