Terminei meu café e fui até a praia. Deixei que o vento levasse meus suspiros, que as lágrimas se juntassem à agua salgada do mar, que meu corpo se tornasse areia e que a maresia entendesse meus sentimentos. Chorei por tanto, por tudo que estava sentido naqueles últimos meses, se lágrima desidratasse, certamente estaria sem um pingo de agua no corpo.
Aquele aperto no peito não diminuía com as lágrimas caindo e se juntando ao mar, aquelas vozes não cessavam com o barulho do oceano, aqueles sentimentos não se soltavam nos suspiros. Tudo que eu queria é que isso não tivesse acontecido, não dessa maneira, puno a mim mesma por ter deixado isso acontecer. Se meses atrás eu não tivesse permitido deixar de viver para ficar trabalhando para no final nem receber por tudo que trabalhei...isso não tinha chegado nesse ponto. Como fui ser tão burra e cega? Tudo começou com a porcaria de um propósito, esse mesmo que me ferrou até o último neurônio.
A tristeza e a raiva são tão profundas que se tornaram um sentimento novo. Híbrido. Sem nome. Não consigo me sentir triste sem sentir raiva, e não consigo ficar com raiva sem me sentir triste. Então quando vejo, já estou colocando tudo pra fora, naquela noite escura, naquela praia deserta e naquele mar gélido, começo a tremer, mas não é de frio, o nó em minha garganta se torna mais forte e apenas escuto o barulho ensurdecedor do meu próprio grito ecoando dentro e fora da minha mente, as lágrimas se tornaram rios saindo de meus olhos, os soluços eram tão altos, fortes e desesperados que parecia não ser eu, o meu estômago tinha se revoltado por completo ao forçar a volta de tudo que havia comido no dia. Minha visão turva das lágrimas começou a ficar com pontos pretos, senti minha cabeça pesar, o sangue se esvair de meu corpo, um calor e um frio perpassar por cada veia e músculo em meu corpo. Ouvi o som do meu próprio grito novamente, porém sufocado, sem forças. Olhei para a lua minguante acima de mim
-Por favor – disse num sussurro quase inaudível – tira essa dor de mim
Sem muita força para levantar, me arrastei um pouco para cima da areia, onde tinha algumas cadeiras de praia e ali deitei.
Acordei com o sol forte em meu rosto, ainda sem muita força para levantar, resolvi esperar mais um pouco, ainda de olhos fechados, até que escuto alguém berrando
-Claaaire! – alguém ao fundo grita, não tenho forças para mover um músculo – Claaaaire! – a voz se aproxima e reconheço como a de Cecília
-Aqui – tento falar alto, mas o que ouço é minha voz rouca saindo num sussurro
-Claaaaaiireeee! – a voz se aproxima mais ainda e reúno tudo que é força e falo
-Aqui – dessa vez sai mais alto
-Claire? Ai meu Deus, Claire! – ela vem desesperada – o que houve? – ela pergunta e consigo abrir levemente os olhos
-Crise – é o que consigo responder
-Ta tudo bem, você está segura – ela me abraça desajeitadamente e eu me seguro para não chorar – vou avisar o pessoal que te encontrei – diz pegando o celular
-Pessoal?
-Sim, estamos todos atrás de você desde ontem a noite, estávamos preocupados – ela diz e logo em seguida fala em grego ao telefone – porque não ligou para um de nós ontem? Poderíamos ter te ajudado – ela diz e me sentei lentamente na cadeira
-Não queria incomodar vocês com os meus problemas – disse simplesmente – por favor, não quero falar sobre isso – digo, pois sabia que poderia acabar acontecendo tudo novamente e não teria forças.
-Tudo bem. Consegue levantar? – ela pergunta e vejo uma comoção seguida de uma correria até mim, me sinto abraçada por todos ao mesmo tempo: Sergio, ícaro, Giorgia, Gabriel e Cecília
-Meu Deus, você está bem? – pergunta ícaro
-Óbvio que não está, a pergunta a ser feita é: o que houve? – pergunta Giorgia
-Crise – respondo
-Mas e... – começa Gabriel mas é interrompido por Cecília
-Ela está bem agora, é o que importa. Não vamos tocar no assunto, ok? – ela espera todos concordarem e continua – agora vamos levar você pro apartamento do Gabe, você toma um banho, come e depois conversamos, se quiser – concordo e agradeço ela com o olhar – consegue andar até o carro? – respondo que sim, mas quando dou um passo, Sérgio e Gabriel apoiam meus braços em seus ombros
-Eu consigo sozinha, obrigada – digo a eles levemente, que relutam, mas soltam meus braços e vagarosamente comecei a andar em direção ao carro.
Chegamos no apartamento do Gabriel e ouço Giorgia dizendo que arrumara a banheira para mim, enquanto Gabriel procura alguma roupa da irmã dele. Chego no banheiro e vejo as duas me esperando.
-A água está bem quentinha – diz Cecília sorrindo em conforto
-Estaremos aqui com você, se quiser é claro – disse Giorgia
-Agradeço muito – tento sorrir pelo gesto delas.
Elas ficam ali comigo, me fazendo companhia, conversando amenidades e até mesmo fofocando, eu tento ficar presente, sorrir e até mesmo falar.
Saímos do banheiro e eu já me sentia um pouco melhor, fomos abraçadas pelo cheiro de comida vindo da cozinha e ao nos aproximarmos, vimos os três rapazes cozinhando. Eles fizeram uma refeição completa, porém leve. Logo após, pedi para dormir um pouco e acabei capotando, acordando com um Gabriel dormindo ao meu lado, pela leve brecha na cortina vi que estava levemente escuro lá fora, o que significa que ou é fim de tarde, ou está amanhecendo.
-Bom dia – diz ele ao meu lado e constato que dormi por quase um dia inteiro
-Bom dia – respondo
-Que bom que acordou, a cor em sua pele voltou e o rubor de suas bochechas voltaram – diz ele me analisando
-Quanto tempo eu dormi?
- Umas 18 horas
-Meu Deus – respondo assustada
-Quer conversar?
-Não, não ainda – digo engolindo em seco
-Tudo bem, se precisar, estou aqui – ele sorri – eu tenho que ir trabalhar, tenho ensaio do desfile, mas pode ficar se quiser
-Não não, vou sair também. Se importa de me deixar no Rob?
-Não, claro que não.
-Obrigada
Nos levantamos e nos arrumamos, eu estava com um vestido florido da irmã dele que tinha quase o mesmo manequim que o meu, por sorte. Ele me deixou em frente a cafeteria do Rob e eu respirei fundo antes de entrar
-Bom dia Jovenzinha! O que houve?
-Bom dia Rob, tive uma crise terrível
-Da pra ver pela sua cara – ele responde calmo – talvez hoje prefira o bom e velho café preto, hã?
-Sim, por favor – respondi simplesmente e ele prepara aquele passadinho mais intenso que eu gosto
-Aqui...- ele me entrega o café – quer conversar a respeito?
-Não, por favor – respondo sincera bebendo um bom gole do café delicioso
-Irei pular direto para a lição do dia então – ele diz e eu concordo – a lição do dia é: é normal sentir medo, mas não é normal paralisar a vida diante do medo – ele diz calmo em tom de conforto
-Obrigada Rob, se importa de eu não ficar muito hoje? Ainda quero visitar alguns lugares e eu literalmente perdi um dia
-Claro, vá. Vai ser bom. Até a lição de amanhã
-Até a lição de amanhã
Pego meu café e me direciono até o aeroporto. No caminho até Athens, verifico minhas mensagens e respondo algumas importantes.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Renascer
Não FicçãoCuidado. O que voce pensa ser real, na verdade é ficção e o que pensa ser ficção, é a mais pura realidade. O que seria de nós se deixássemos de lado quem somos e como somos, por causa de um "propósito"? Quem seríamos? Ou melhor, quem somos? Quem no...