MARIDO DEDICADO

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A investigadora varou o restante da noite sem dormir. Chegou em casa agitada, com a cabeça fervilhando de pensamentos. Em ações automáticas, colocou a moto na garagem, abriu a porta em um rompante e jogou os capacetes sobre o sofá da sala. Sentou na cadeira em frente à mesa onde ficava o notebook e ligou o aparelho. Tamborilava os dedos na mesa sentindo que a máquina não estava colaborando consigo, fazendo um som característico e impaciente.

Depois de poucos segundos o aparelho terminou de ligar, mostrando a tela de início. Sem demora Cassandra abriu o navegador, digitando rapidamente o nome de Inezita. Jataí não era uma cidade grande, nem pequena. Dependia da comparação que se fizesse com outras. Sempre foi um polo onde outras cidades menores da região buscavam apoio ou alguns serviços. Era perfeitamente possível que duas pessoas morassem nela durante toda uma vida sem cruzar caminhos, mas não era grande o suficiente para ter canais de notícia realmente ativos. No máximo as emissoras de TV com seus jornais sensacionalistas e uma programação nichada. Isso dificultava muito na hora de obter informações frívolas, porém importantes para rastrear os hábitos de algumas personalidades da elite da cidade. Era o lugar perfeito para ser esconderijo de gente abastada e psicopata.

Inezita era basicamente uma rica que fazia coisas de rica. Comandava seus negócios, ia a eventos sociais e apoiava o falecido marido. Pelo menos nas aparências.

Cassandra tentou abrir a rede social de fotos, contudo como a maioria dos ricos, Inezita era reservada com a sua vida pessoal e tinha a conta trancada. Em sites de notícia, minguados, havia notas sobre viagens. A mulher gostava de ir para o norte do país, principalmente para Belém do Pará. Além dessas, mais três viagens foram noticiadas por sua suposta relevância. Uma para Porto de Galinhas, uma para Punta del Este e outras duas para Nova Iorque.

A investigadora achou interessante, visto que geralmente o pessoal da cidade não parecia gostar de viajar tantas vezes para o norte do país. Pelo menos ela não se lembrava de ver notícias e nem rumores. Nem tinha encontrado nada assim nos sites de notícia também.

Sobre a relação de Inezita com o marido, tudo o que sabiam nos canais de notícia era o básico. Cassandra tentou encontrar onde eles tinham se conhecido, porém não havia a menor das informações.

No site da Serralheria Boa Sorte havia uma foto de Sebastião e Inezita junto aos funcionários. Todos exibiam sorrisos sem graça. Os olhos de Marina estavam levemente voltados para Sebastião. Todos os funcionários foram obrigados a participar daquilo pelo que se podia ler nas expressões nada discretas daquela imagem. A legenda da foto era: Família Boa Sorte.

Cassandra procurou por algum canal de informações sobre a clínica Boa Estética. Tudo que encontrou foi uma página de Facebook mal gerenciada, com poucas fotos e o CNPJ na bio. A investigadora checou a situação legal da serralheria e da clínica, e ambas não apresentaram irregularidades.

Sebastião parecia um fantasma quando se tratava de vida virtual. O homem não era adepto, com certeza. Cassandra revirou os olhos, cansada demais de procurar por agulha em palheiro.

A investigadora estava incomodada, se revirando na cadeira. As nádegas dormentes de tanto ficar sentada, por isso levantou e coou o primeiro café do dia. Massageou os glúteos enquanto o líquido quente escorria pelo filtro, caindo dentro da garrafa térmica vermelha. Inalou a fumaça aromática para o fundo do pulmão e fechou os olhos sentindo a boca se encher de saliva. Encheu uma caneca com o líquido coado, escuro, e voltou a sentar na cadeira.

— Merda, preciso de um assento melhor. — Falou mais para garantir que ainda sabia conversar do que qualquer outra coisa. Estava tantas horas calada que se sentiu estranha.

Começou a fazer sua última pesquisa virtual antes de ir tomar banho.

Digitou o nome de Virgínia Tamanduá e clicou no ícone da lupa ao lado da barra, sem muita esperança. Descobriu que o perfil dela na rede social era aberto. Virgínia não tinha ligação alguma com Inezita, nem marcações, fotos de eventos ou algo do tipo, contudo havia uma foto do marido de Virgínia, Pablo Tamanduá, e o falecido Sebastião juntos com a dona do perfil, em um leilão de caridade.

Pablo, nas fotos, parecia um marido dedicado. Alinhado, usava roupas de grife, corte de cabelo com franja, barba baixa e tinha um tanto de botox aqui e acolá. Talvez uma harmonização facial também porque o rosto parecia estranhamente simétrico.

Havia registros de momentos nos quais Pablo presenteava Virgínia. A mulher sorria ou ria, aparentemente lisonjeada pela atenção e pelo carinho. Havia vídeos onde ela exibia seu carisma, dizendo palavras doces e discretas para o marido. Os olhos até brilhavam ao fitar a figura do homem esguio.

A cabeça de Cassandra começou a latejar, pois não conseguia mensurar quão boa atriz Virgínia era para atuar daquela forma com o marido e depois se agarrar com a recém viúva pelos cantos da cidade. Porém também poderia haver um acordo entre o casal, apesar de não ser aquilo que as aparências sugeriam. Existem essas pessoas que gostam de liberdade, libertinagem e traição.

A investigadora lavou a caneca onde tomou o café. Tomou banho para relaxar e espairecer. A cabeça estava quente, as olheiras inchadas e mal tinha paciência para o dia que nem tinha começado.

Quando saiu do banho, enrolada na toalha, ouviu um grito vindo da vizinha. Alto, apavorado... Urgente. Tão desesperado que Cassandra correu e abriu a porta, da forma como estava.

A idosa da casa ao lado chorava, apoiada na parede, olhando na direção da lixeira quadrada com haste de um metro e meio fincada na calçada. Sobre o concreto do passeio, onde havia sangue seco, jazia o corpo do cachorro caramelo, com a cabeça separada do resto. De bater os olhos sobre o animal, Cassandra soube que ele fora decapitado com um objeto cortante.

A investigadora abraçou a idosa, tapando a visão da outra por um momento. Marínia Vidigal desmaiou nos braços de Cassandra.

Ela respirou fundo, pois outro dia daqueles tinha começado.

Assassinato no Parque Brito (postando)Onde histórias criam vida. Descubra agora