Antônio

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Eu acabei aceitando o emprego, no final das contas, trabalhava no turno da manhã, onde tinham poucos clientes e aos finais de semana, onde Antônio precisava de mais ajuda para repor o estoque ou abastecer as prateleiras da loja. No geral, tinha pouco contato com os clientes e não posso dizer que desgosto disso.

Trabalhava mais na minha, quase não conversava com os outros funcionários e a maioria deles também não pareciam querer falar comigo, então tudo fluía perfeitamente bem. Antônio me ajudava, às vezes, geralmente quando a loja estava mais vazia e ele podia deixar outra pessoa no caixa ou quando eu precisava pegar algo muito no alto e orgulhoso como sempre fui, não pedia ajuda, mas ele vinha mesmo assim.

Antônio é um homem de quarenta, quase cinquenta anos, alguns bons anos mais velho que eu, mas não aparenta ter essa idade, nem mesmo seus cabelos indicam uma idade maior que trinta anos. Ele poderia ser a definição de "envelheceu como um vinho".

Ele é alto, com uma constante barba por fazer no rosto, cabelos pretos e olhos igualmente escuros, intensos como um buraco negro. Quando o conheci seu cabelo era praticamente raspado e ele havia acabado de se divorciar, estava tentando focar mais nos negócios para não pensar na família, até onde sei, o casamento não acabou bem, agora seu cabelo já está um pouco maior e ele parece igualmente focado em seu trabalho. Nunca o vi sem um sorriso no rosto, Antônio sempre parece feliz, mas eu não acredito nisso.

Ele é um bom chefe, preocupado com a saúde e bem-estar de seus funcionários, conhece quase todo o bairro e sempre cuida para que as mercadorias que mais saem, não falte nas prateleiras. Ele é cuidadoso, preocupado e gentil. No geral, é um bom homem, tão bom que em algum momento você chaga a pensar que não pode ser verdade.

Já estava trabalhando ali por um tempo considerável, meu adiantamento havia caído no dia anterior, estava tentando calcular o preço dos alimentos e o que deveria levar e o que deveria deixar para conseguir juntar dinheiro.

Por mais que ainda ache que Camila está errada, estou tentando me dar uma chance de seguir em frente e mesmo sabendo que demoraria para juntar esse dinheiro, estou tentando economizar para uma faculdade.

— Então, o que vai fazer essa noite? — Antônio tentou puxar assunto enquanto descarregávamos o caminhão.

A maioria dos funcionários já havia batido ponto, tirando os meninos que cuidam dos frios que ficavam até mais tarde um pouco.

Descarregar o caminhão é, na maioria das vezes, minha tarefa, mas Antônio quase sempre vem junto, acho que ele tem medo de que eu não aguente o peso por conta da minha perna, mas aprendi a me virar bem com o que tenho.

— O de sempre, eu suponho — Dou de ombros, pegando mais uma das caixas para guardar no estoque. O de sempre significa que eu iria para minha casa, provavelmente alimentaria o gato que nem é meu, apenas para escutar a vizinha brigando comigo na manhã seguinte por ter "sequestrado" seu gato, e então tomaria um remédio para conseguir dormir. Não existe muito para se fazer.

— O que acha de me acompanhar em um jantar? — A voz de Antônio soou atrás de mim, pelo tom podia dizer que a caixa que ele estava segundo era pesada.

Permaneço estagnado no mesmo lugar, piscando, atordoado, enquanto tentava entender.

— Está me chamando para um encontro?

Não fazia sentido, Antônio, até onde sei, é hétero. Ele era casado com uma mulher, pelo menos e ele nunca deu indícios de que estava interessado em mim, não desse jeito.

— Não — Ele ri, passando por mim — Eu só queria companhia para jantar mesmo — Ele coloca a caixa por cima de outras na prateleira, enquanto estende a mão para que eu o entregue a minha, a qual o faço —Sem ofensas.

Onde Ella está?Onde histórias criam vida. Descubra agora