Umas meia hora depois, quem encostou foi o Jacaré, outro soldado que planta na boca da Alta. Parece o Curupira com o cabelo vermelho.
Hoje ele tava de marola e disse que resolveu ir à missa pra fazer uma moral com a caliquinha que tá pegando.
Sentou na cadeira ao lado do Bazucada e começou a apertar um enquanto narrava como foi a experiência. Pareceu envergonhando em assumir que tava todo pau-mandado, indo até pra igreja com mulher. Ainda mais porque geral deu aquela gastada.
- Papo é sério, pô... tem que procurar a Deus também, né só baile e putaria não, meu parcero. - olhou pro teto da varanda do boteco, como se o próprio Deus estivesse ali.
Eu era o mais caladão deles todos, falava o essencial. Me soltava um pouco mais quando estava sozinho com meus faixas, somente. Era tímido e preferia só analisar e pensar o tempo todo, expressando o mínimo pras pessoas.
No meu canto, bebi mais uma dose de energético e dei um confere no jogo que se desenrolava lá no campo, que logo foi pausado devido a terem chutado a bola na casa do caralho. O menorzin tava no aguarde e como? Foi na missão de recuperar a redonda naquela agilidade. Geral tava esperando ele voltar.
O mano não parava com o testemunho de como foi sua primeira vez numa missa católica.
Ninja, botando pilha, concordava, dizendo: " É isso ai, tem que ter vergonha de ir na missa mesmo não, menor". Ele sempre evangelizava a mim e ao Bazucada, que não éramos ateus, no entanto, vivíamos de modo pagão.
- Caraca! Tinha uma minazinha cantando que sem neurose, tirava nem era onda, era tsunami mesmo, tá ligado?
Ao ouvir ele dizer isso num tom delirante, passei os olhos para ele, alerta.
Um sorrisinho malandro se apresentou em sua boca enquanto ele finalizava o baseado de olhos baixos.
Não viu que eu o fuzilava.
Algo me dizia que ele estava falando da pessoa errada.
- A voz dela era igual voz de anjo... - fechou os lábios, mas ainda era um sorriso ali, naquela cara de mongoloide. - ainda tocava violão, coisa maravilhosa!
A irritação pela lascívia que ele demonstrava me veio como um arrepio repentino, uma eletricidade que atravessou meus membros e minha garganta.
Eu tinha certeza de que ele estava falando dela. Só podia ser.
Eu sabia que dona Bete vivia na igreja; a neta certamente devia acompanhá-la.
- E tu já ouviu voz de anjo pra saber como é? - Bazuca tirou onda. Todos riram.
Ele tacou fogo no baseado e não se deixou atingir pelas piadinhas subsequentes.
- Não sei como é, mas era. - passou a maconha pro Bazuca, após dois tragos.
- E quem é essa? - alguém perguntou.
A rapaziada tava em volta da gente, todos querendo ouvir. Alguns, que não estavam tão perto, davam alguns passos sutis para diminuir a distância.
Bebi outro gole.
Eu queria muito estar errado, mas não estava. E isso se confirmou.
- Aquela neta da dona Betina do mercadinho... Além de ser uma delícia, ainda canta e encanta! - ele riu alto, seus olhos percorrendo todos os outros bandidos, que também estavam rindo.
Quando passou por mim, sua alegria rachou ao meio. A cara decaiu.
Eu o encarava fixamente, dando um lento gole no meu copo.
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Faixa de Gaza
RomanceAron é um homem misterioso, com dificuldade de expressar suas emoções e de poucos sorrisos. Por trás da aparente apátia, existe um ser humano destruído pela maldade e dificuldades da vida. Sua beleza maquia a dor que ele carrega no peito e o nível...