Capítulo 1 - Sonhos e Pesadelos

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Narrado por Ben

Me levanto depressa e fico sentado na minha cama, meu coração está acelerado e, quando fecho meus olhos tentando me acostumar com a realidade, tentando fazer com que o sonho se torne cada vez mais distante, é os olhos de Eric que eu vejo, seus olhos castanhos me observando, sem entender muito do que está acontecendo, assim como eu. Fecho os olhos e quando abro, só vejo escuridão. Mas o que é que está acontecendo? Me pergunto, ainda na tentativa de voltar a respirar normalmente; os sonhos ruins nunca foram ausentes nas minhas noites, mas eles eram diferentes, eles se baseavam completamente no ataque à Vila Vermelha e na morte dos meus pais, mas esses últimos sonhos têm sido diferentes.

Olho ao redor e não consigo ver muito por conta do escuro. Ouço apenas os sons da floresta, os grilos cantando, e as folhas das árvores balançando lentamente, e me lembro que tudo não passou de mais um sonho ruim. Mas, ainda assim, meu coração aperta. Olho para minha mão, para a mão em que estava a adaga, e a vejo tremendo. Inspiro uma quantidade de ar maior do que eu precisava e meus pulmões doem.

Então, fico de pé, dentro da cabana escura. Minha avó, Art e Lucas agora têm uma casa propriamente dita nas proximidades da Vila Vermelha, mas gosto de continuar aqui, meio isolado de tudo e de todos, sentindo que, próximo de mim, estão apenas os animais da floresta, as árvores e os sons que elas fazem.

— Ben...? — Ouço, e lembro: gosto de sentir que, próximo de mim, estão apenas os animais da floresta, as árvores, os sons que elas fazem e Eric, o príncipe herdeiro do trono de Aurora, por mais absurdo que isso pareça.

Nem preciso dizer o total atordoamento que tem tomado conta de mim por causa de tudo o que aconteceu desde que Eric apareceu na minha frente, esfaqueado, nas estradas que levam à Vila Vermelha e a Montes Claros. Naqueles dias, nos quais ele ficou comigo, na minha cabana, eu nunca iria imaginar, apesar, claro, do fraco som da voz da desconfiança, que aquele rapaz pudesse ser outra pessoa, algo mais que um mero camponês; apesar disso, no fim, eu nunca iria imaginar que as coisas aconteceriam da forma com que aconteceram. E estar aqui dormindo com o príncipe nesse exato momento me assusta.

Me assusta pensar que, de uma hora para a outra, de uma noite de tempestade para outra, eu tenha passado a frequentar os corredores, os jardins e os grandes salões do castelo de Aurora. Me assusta perceber que, apesar dos problemas, a rainha e sua família não são exatamente como pensei que eles fossem e me assusta ver que eu também não sou mais quem eu pensava que eu era – me assusta perceber que só sei de tudo isso agora por conta do príncipe herdeiro de Aurora, por conta de Eric.

Me assusta, entretanto, ainda mais, pensar que a lista de pessoas com as quais me importo está crescendo e que não sei lidar com isso. Quando era apenas minha avó, eu sentia que eu era forte o suficiente para protegê-la de todo o mal, mesmo quando eu não passava da idade que Art tem agora, mesmo quando minhas tentativas de valentia resultavam no geral em alguma parte do meu corpo arranhada, quando eu caía no meio dos arbustos que os animais ferozes que eu "caçava" estavam se escondendo, ou em alguma parte do meu corpo quebrada, quando eu caía dos cavalos que eu tentava domar; depois disso, as outras crianças chegavam e saiam sem que eu necessitasse cuidar delas, minha avó fazia isso por elas, e eu, na minha cabeça, devia fazer o que eu pudesse por ela. Com Lucas foi diferente, pois ele, assim como eu, decidiu ficar – e desde então, esse era nosso objetivo, cuidar um do outro e, assim, nós dois cuidaríamos da nossa avó; por fim, Art, assustado com o monstro da floresta que ceifou sua família, apareceu e, então, nossa família se estabilizou. Enquanto eu saqueava a Vila Vermelha, com ou sem a companhia de Lucas, eu pensava, naquele tempo, que três pessoas eram o suficiente, o máximo de pessoas que eu conseguiria amar de verdade.

Enfim, só os deuses sabem o quanto eu estava errado.

— Ei... — digo e me viro para onde Eric está deitado. O vejo pela penumbra e sinto meu coração dar um pulo. Seus olhos estão quase fechados de sono, o cabelo castanho bagunçado e a roupa amarrotada.

A Profecia do Plebeu - Livro 2 - A Canção do ReiOnde histórias criam vida. Descubra agora